As
duas enfermeiras estavam assumindo o plantão naquela noite e enquanto checavam
os prontuários dos pacientes sob seus cuidados, traçavam o roteiro dos remédios
a serem ministrados e a rotina da noite que apenas começava.
Manuseando
as pranchetas com as fichas dos internos, de repente uma perguntou pra outra se
ela já tinha conhecido a Dona Ester. Perguntou e diante da negativa da colega
ela abriu um grande sorriso. A Dona Ester é muito legal, você tem que conhecer
– disse aguçando a curiosidade da outra.
- É
uma senhorinha bem tranquila, amável, que está sempre bem vestida, usa uma
camisola que tem umas rendas na gola, fala sempre mansa e delicada. Está no
305. É uma coisa a Dona Ester – provocou.
Não
disse mais do que isso e deixou no ar algo em suspenso, como se fosse a própria
colega que tivesse que descobrir mais.
O
plantão corria bem, tudo tranquilo, até que as duas enfermeiras se encontraram
de novo na salinha do café. Já era alta madrugada e vários profissionais estavam
lá, enquanto passava a ronda da limpeza, trocando o lixo e recolhendo as roupas
de cama. No café as duas então conversavam tranquilas quando novamente surgiu a
pergunta se já tinha estado com a Dona Ester.
-
Menina! Eu conheci, sim, a velhinha. Que figura! – disse a enfermeira em tom de
espanto.
- E
aí, como foi? – pediu mais detalhes a outra.
Eu
cheguei ao quarto dela com o maior cuidado – começou a enfermeira em sua
narrativa. Primeiro porque não sabia se ela estava dormindo. Aí, fui chegando
mais perto, devagar, e vi que ela estava me olhando desde que entrei. Então fui
toda cordial, dizendo olá Dona Ester, tudo bem com a senhora? Aí ela me
respondeu assim: Não vem com falsidade comigo, não! – na cara. Eu não gosto de
gente falsa que vem com essa fala mansa pra cima de mim. Ficam nossas amigas e
depois tratam a gente que nem um pacote, virando pra lá e pra cá nessa cama.
Pasma,
a enfermeira então reparou que no prontuário da paciente mencionava o
Alzheimer, embora não fosse esse o motivo de sua internação. Primeiro vocês vêm
agradando e depois maltratam a gente – continuou a senhorinha, quando a
enfermeira então, refeita do susto, passou a conversar tentando acalmar a
situação. E lembrou que o pacote ao qual a dona Ester se referia devia ser a
troca da fralda geriátrica.
A
outra enfermeira, rindo da situação que ouvia no refeitório, disse que mal pode
conter o riso quando conheceu a Dona Ester. Contou que na primeira vez que
entrou no quarto dela a velhinha era uma vovozinha amável, toda receptiva aos
remédios, cordial na hora de medir a pressão e a capacidade pulmonar, mesmo
sendo no meio da madrugada. Só que na segunda vez que ela entrou no quarto,
assim que disse bom dia, a resposta foi um passa-fora deste tamanho e sem nexo,
que ela só pode rir, com pena da velhinha, mas achando toda a situação muito
engraçada. Você não precisa falar assim comigo porque eu não vou te dar aumento
nenhum de salário – contou a enfermeira. Foi assim que ela me recebeu uma vez.
Eu entrava lá toda amável e ela só me esculachando – riram as duas.
Eu
fiquei imaginando quantas histórias ótimas aqueles enfermeiros deviam ter sobre
a Dona Ester. E toda vez que entrava um novo plantão eu perguntava sobre a Dona
Ester ao profissional que cuidava da ala onde eu estava, quando fiquei de
acompanhante da minha mãe.
Uma
vez um deles, de nome Luciano, me disse que só ia me contar um caso porque eu
disse que era pro meu blog. E assim foi. Uma vez ele estava preparando um
remédio e quando veio com o copo d´água a Dona Ester disse que não ia tomar
nada, remédio nenhum com ele. Começa assim – bradou a velhinha – primeiro vocês
vêm ganhando a confiança e depois querem até dar banho na gente. Comigo não. No
dia do meu exame tinha um homem me olhando da porta, um absurdo. Chega. Nenhum
homem vai me ver pelada de novo neste hotel.
O
enfermeiro então chamou uma colega e junto com ela deu os remédios e fez os
procedimentos. Mais tarde o Luciano soube que a colega enfermeira, pra acalmar
a Dona Ester e deixar o caminho livre pra ele, havia dito que ele era gay e que
ela não precisava se preocupar que não tinha o menor problema que ele a visse
sem roupa.
Ainda
passei por gay – conformou-se o enfermeiro, me dizendo que depois daquele dia,
mesmo quando ela não perguntava, ele mesmo se adiantava e dizia que era aquele
enfermeiro gay da outra noite.
Uma
noite dessas, em que ela estava minha amiga – contou o Luciano – ela disse
que ia me dar um conselho. E pediu que eu não ficasse assim, dizendo que era
gay pra todo mundo, pois podia me prejudicar. Aí, numa outra vez que eu disse que era gay ela me disse
na lata que o problema era meu, porque ela não era a minha mãe e eu podia ser
gay o quanto quisesse que ela não estava nem aí. Pode?
-
Lembrando de mim ou não - completou - o fato é que ela foi ficando cada vez mais tranquila
comigo e, nas nossas rápidas conversas, alternava entre elogiar e falar mal das enfermeiras mulheres, das
camareiras e de todos os médicos do hospital.
-
Do hospital, não, do hotel – rimos os dois.