Definitivamente, eu estava decidido a mudar o
meu cabelo. O cabelo só não, todo o visual que poria o cabelo em evidência e me
daria uma aparência mais moderna, digna da mudança de milênio, ou do fim dele.
Eu tinha uns 30 e poucos anos, já estava há um tempo planejando tudo aquilo e decidi
que se não fizesse daquela vez não faria mais.
Foi então que eu bolei o plano. Ia raspar a barba
que já tinha uns seis, sete anos de vida, ia voltar a usar os óculos e não mais
as lentes de contato e, o principal, iria cortar o cabelo à máquina três e o
descolorir até ficar branquinho. Tudo isso, diga-se de passagem, seria
processado numa sexta-feira, de modo que eu chegasse no trabalho na segunda com
a surpresa pronta, na cara de todos, e na minha também.
Eu nunca tinha feito nada parecido. No máximo me
dava por satisfeito por, de tempos em tempos, por pura diversão, tirar a barba
e ver a reação de todos com o meu novo rosto, a boca se tornando fina e o rosto
bem mais magro. Mas o que eu ia fazer dessa vez era algo ousado, contrário ao
meu normal, sempre certinho e comedido.
Já saí de casa de manhã sem a barba, que foi
pelo ralo antes do banho, e levei comigo os óculos na bolsa. Somente depois de
cortar e descolorir o cabelo é que eu iria tirar as lentes de contato e voltar
a usar os óculos, completando a tríplice mudança: barba, cabelo e óculos.
Foi lá no salão da Rita, perto da estação de
trem, que ela me falou que essas coisas demoram um pouco e que, pra descolorir
direito, ia arder o couro cabeludo. Mas se eu tivesse um pouco de paciência
tudo ia sair bem, do jeitinho que eu queria, disse ela.
Só sei que fiquei umas boas horas lá no salão.
Primeiro cortei o cabelo com a máquina e depois fomos passar o descolorante. A
seguir, um papel alumínio brilhante esquentou tudo em volta e a mágica ficou
pronta depois de enxaguar e passar mais um troço lá que branqueava de vez. Enfim,
o que tinha estado meio amarelo, da química, pra tirar a cor original, agora
era branco de verdade.
Eu mesmo não me acostumava com o que via no
espelho. Ficou um visual ousado e eu achei muito bacana aquela minha cara de
europeu das terras frias caucasianas. Fui pra casa achando que todo mundo
estava me olhando na rua. Só não sabia se era por beleza ou por estranheza. Pra
mim, no início era pelo primeiro, mas alguns minutos depois eu já não tinha
tanta certeza assim. Ia pensando que melhor mesmo seria quando chegasse em
casa. Sim, porque pai e mãe sempre dizem que o filho está bonito e o meu cabelo
tinha de ser avaliado com uma certa dose de carinho de mãe, de pai. Uma
avaliação francamente tendenciosa era tudo que eu precisava.
Quando cheguei na varanda de casa botei a cara
na janelinha da porta, só de brincadeira, pra surpreender quem estivesse na
sala vendo televisão. Aí, ouvi minha mãe dizer logo de cara que era eu,
avisando o meu pai que já se levantava pra abrir a porta, e pedindo pra ele ir
até lá rápido. A surpresa foi grande e eu fiquei um tempão contando como foi
tudo, como começou, como foi a ideia, como foi a ardência na cabeça e ainda sobre
a barba e os óculos.
Minha mãe pegava no meu cabelo, olhava por
dentro dele passando os dedos, analisando tudo e por fim disse que estava
legal, diferente, que eu estava parecendo um estrangeiro e declarou um gostei
ainda querendo mais certeza naquilo que via. Então passamos a perguntar ao meu
pai, que demonstrava muita dúvida, só pra dizer o mínimo, pois que o seu
primeiro impulso foi de certa estranheza.
Mas minha mãe ficou tentando me ajudar,
explicando que as pessoas têm que mudar o visual de vez em quando e tal, que
mulher tem o direito de fazer isso sempre e porque os homens não podiam fazer o
mesmo, tudo pra amolecer o meu pai e me poupar de algum comentário mais rude
dele. Dava pra sentir, na conversa, que os dois faziam um esforço considerável
pra não me magoar e isso era bom, já que tudo demandaria um certo tempo de se
acostumar.
Meu pai fez mais algumas perguntas, se mostrou
interessado, disse que o cabelo cortado com máquina era mais fácil de cuidar,
de pentear e que finalmente estava bom, estava bonito. Aí, depois de uma pausa
de uns minutos ele coçou a cabeça, esperou que minha mãe saísse da sala e me
perguntou sussurrando:
- Quero que você saiba que eu gostei. Mas me
diga uma coisa, meu filho: você vai sair assim na rua?
Aí eu vi que ele não tinha gostado nadinha. E
que o amor é que estava falando mais alto. Todo o tempo.