quinta-feira, 5 de maio de 2016

O Gol

por André Caridade

Eram mais umas férias que eu passava em Florianópolis. Desde que meu pai tinha se mudado para lá, em 2001, era obrigatório a minha aparição pelas terras do Sul ao menos uma vez por ano. A desculpa era sempre visitar o velho, mas, na realidade, minha relação com a cidade foi paixão a primeira vista! Desde 2001. Ou, talvez, a desculpa fosse visitar a cidade que eu era apaixonado, mas na realidade queria mesmo visitar o velho. Tanto faz!
Dessa vez, nas férias de final de ano do colégio, minha empolgação e as propagandas que faziam da cidade eram tantas que consegui carregar minha mãe pela primeira vez. Em tempo: meus pais são, obviamente, separados.
De tanto insistir, consegui convencê-la a conhecer a cidade que eu sonhava em morar. Ainda sonho, vale ressaltar. E lá fomos nós. Em pleno verão, final de ano. Apesar do clima, teoricamente, mais ameno do que no Rio, o verão por lá não costuma ser muito diferente. E o programa das férias sempre incluía praias, tênis, pastel de camarão, violão, piano e, quando tinha sorte, rolava até um futebol.
Meu pai, apesar de ser, levemente, mais idoso/maduro/velho/experiente/sábio ou qualquer outro eufemismo que queria se utilizar, sempre praticou vários esportes comigo. Jogamos muito futebol na minha infância e, depois que ele se mudou para Floripa, começou a jogar tênis e eu fui atrás, tentando me virar no novo esporte. Mas confesso que no tênis nunca cheguei nem perto do Guga que idealizei para minha vida. Fazia e faço, com a raquete, apenas o básico para manter o mínimo de dignidade numa partida.
De qualquer forma, acho louvável que meu pai ainda jogue de igual para igual, correndo para cima e para baixo, com os seus quase... bem, alguns anos a mais que eu. Gostaria muito, mas acho impensável que eu tenha essa disposição toda com meus filhos também, daqui a uns 30 anos. Basta dizer que, atualmente, me canso mais rápido do que meu pai nas partidas de tênis.
Mas no futebol o assunto era outro. Jogava desde pequeno e tinha até alguma qualidade que, em alguns lapsos espaço-temporais do universo, me fizeram pensar que poderia ir em frente profissionalmente. Não deu certo, não. Ainda bem.
Mas desde pequeno, como dizia, meu pai me acompanhava, e muitas vezes jogava comigo. Ficávamos até ensaiando algumas jogadas quando tínhamos algum futebol marcado com os amigos. Depois que ele se mudou, a frequência dos nossos jogos diminuiu muito, e por isso, sempre tentávamos conseguir alguma partida quando eu estava em Floripa. E nessas férias que minha mãe estava por lá também, nós conseguimos.
Depois de alguns dias que eu tinha chegado ele disse que teria um encontro de uns amigos do trabalho da mulher dele, na época, e perguntou se eu queria jogar. Pessoal por volta dos 30, 40, 50 anos. Eu tinha os meus 13, 14 e topei na hora. Minha mãe também estava lá, e tinha muito, mas muito tempo mesmo, que ela não me via jogando bola. Achei que seria uma boa, também por esse motivo, e lá fomos nós.
Depois de praias, pastéis, violões, pianos e alguns sets de tênis, chegou o dia marcado para o futebol. Seria de noite, durante um dia de semana, após o pessoal sair do escritório, em um campo de grama sintética. Chegamos lá, eu, minha mãe, meu pai e a mulher dele. Conheci um pouco o pessoal antes da partida e logo vi que era disparado o mais novo da turma. O segundo mais novo era mais de 10 anos mais velho que eu. Por um lado pensei que era bom, que talvez no preparo físico eu levasse vantagem, mas qualquer adolescente sabe que não é muito confortável jogar futebol com pessoas maiores, mais velhas, e desconhecidas. Mas fomos em frente.
Minha mãe sentou em um banco, ao lado do campo, que ficava numa espécie de arquibancada, no alto, onde se podia ver muito bem a partida. Ao separar o time, algumas almas caridosas sugeriram que eu ficasse no mesmo time do meu pai, já que eu era o mais novo, não conhecia ninguém e tudo mais. Mal sabiam a péssima decisão que estavam a tomar.
Começou a partida e eu, ainda bem tímido, só tocava de lado, sem arriscar muito. Tentando mostrar para todo mundo que eu sabia o que estava fazendo com a bola nos pés. Aos poucos o jogo foi melhorando, o confronto foi ficando mais acirrado, e eu fui me soltando, jogando melhor.
Eu e meu pai começamos a fazer algumas jogadas, que nem tinham sido ensaiadas, mas que já faziam parte do nosso jeito de jogar juntos. Fui me adiantando, jogando cada vez mais perto do gol, para tentar marcar logo o meu e me soltar de vez. Numa das tabelinhas com meu pai, consegui fazer o primeiro. O time se reuniu para comemorar, meu pai levantou meu braço e gritou, em tom de brincadeira:
- Olha, é meu filho hein! Esse aqui é meu filho!
A risada foi geral!
A partida continuou e, com confiança, comecei a partir para cima dos zagueiros, driblando, fazendo gols e deixando meu pai na cara do gol algumas vezes. E a cada boa jogada, drible, ou gol que fazia, ele apontava para mim e falava para todos ouvirem:
- Meu filho, hein! Esse aí é meu filho!
E o pessoal, rindo, tentava dar um jeito de parar o guri de 14 anos.
A bola continuava rolando e, minutos depois, veio a seguinte jogada: o goleiro do meu time repôs a bola, com toda a força, com um chute que foi nas alturas. Eu estava de frente para ele, de costas para o gol adversário, na entrada da área, e vi a bola se aproximando, vindo bem na minha direção. Olhei rapidamente para trás, para ver minha posição em relação aos defensores, ao goleiro, e principalmente, ao gol adversário, e não pensei duas vezes, dominei no peito, e sem deixar cair, dei uma bicicleta!
Ainda caindo, consegui virar e assistir o goleiro saltando e a bola estufando a rede. Fiquei alguns segundos, confesso, um pouco chocado, com o meu feito. Logo meu time todo veio comemorar e meu pai, também sem acreditar no que eu tinha feito, se juntou à comemoração, encheu os pulmões e, apontando para mim, disse:
- Olha, só para avisar que é meu filho hein! Esse aqui é meu filho!
Quando de repente, em meio à risada geral, lá do outro lado do campo, de cima da arquibancada, minha mãe completa:
- Olha, só para avisar que é meu filho também, hein! Agora foi demais! É meu filho também!
O povo não se aguentou de rir! E nem nós!
Ainda bem que os dois estavam nesse dia, porque já se vão uns bons anos, e até agora não tenho nenhuma previsão de repetir esse feito. Só me resta torcer para um dia meu pai ou minha mãe gritarem:
- Olha, só para avisar que esse aí é meu neto, hein! É meu neto!