Um dos maiores shoppings da zona norte do Rio acabava
de ser inaugurado e a programação era grande o bastante para atrair todo o
público da cidade que já estava acostumado a ir só nos shoppings da zona sul,
que eram muitos. Uma das atividades de inauguração era uma feira de animais
exóticos. A criançada ficava doida com os bichinhos coloridos de todas as
formas e o movimento da feira era típico de um parque de diversões.
Meu filho Daniel tinha uns quatro anos e lá fomos nós,
num domingo ensolarado, esperar o shopping abrir pra ver os animais. Era o tipo
de Feira de Filhotes que a gente sabe como começa, mas que não tem a menor
ideia nem de como e nem de quando termina. Na verdade a gente desconfiava que tinha
chegado ao fim quando uma mocinha, toda fantasiada, vinha perguntar pra criança
da vez qual o animalzinho ela ia querer levar como brinde: se um pintinho ou um
peixinho.
Saímos da feira direto pro sorvete e depois pro ponto
de ônibus, rumo a casa. Dentro do saquinho de papel de pão, um tipo de papel pardo,
estava um pintinho bem amarelinho, assustado, e que por isso a gente levava com
o maior cuidado. Claro que a minha vontade era ter recusado o brinde, até
porque a gente estava sem carro, mas isso não seria legal com qualquer criança,
ainda mais com um filho.
Quando a gente subiu no ônibus eu fiquei preocupado
porque não tinha lugar pra sentar e eu estava um tanto atrapalhado levando um
menino pela mão e com um animalzinho na outra. Uma senhora então percebeu a
minha total inabilidade e me disse que o Daniel podia sentar no colo dela, já
tirando a bolsa de lado pro menino sentar junto da janela.
Tudo resolvido. A viagem deu prosseguimento agora em
paz e com segurança, todos bem acomodados. De repente, no meio do trajeto eu notei
que o Daniel fazia sinais pra mim com as mãos. A gente não estava muito perto e
por isso ele tentava fazer os gestos ao invés de falar. Como eu não entendia
nada, pedi que ele falasse, pois não tinha problema.
– Ô pai, como está o pinto aí? Não aperta muito o
pinto não, tá?
– Pode deixar, filho. Tá tranquilo – respondi.
E todo mundo em volta começou a perceber a inocência
das perguntas, mas mesmo assim riam do diálogo que se fazia.
– E o saco, pai? Segura o saco por baixo pro pinto ficar
deitado, tá? E cuidado pra não amassar o
saco, pra não machucar o pinto, né?
– Isso. Pode deixar que o pai tá tomando cuidado com o
saco e com o pinto – e dei também uma risada depois que ouvi o que eu mesmo
tinha dito.
A essas alturas todo mundo no ônibus já estava
repetindo as recomendações do Daniel e me chamando de pai, relembrando o
cuidado com o pinto e ainda criando outras frases de efeito, carregadas de
duplo sentido, que levava todo mundo a cair na risada, inclusive eu, meio sem
jeito, mas entrando na dança devidamente.
A minha sorte foi tal que quando o meu filho começou a
sugerir que era melhor eu dar o pinto para a senhora segurar, a mesma que estava
com ele ao lado, chegou o nosso ponto de destino e a gente desceu. Para mim foi um alívio imenso ter saltado do
ônibus naquela hora, mas teve uma galera lá de trás que lamentou, em alto e bom
som, que a gente fosse descer logo agora, quando a mulher ia segurar o pinto do
pai do menino. Provavelmente estavam na pilha pra ver a cara da senhorinha e a
saia justa que ia rolar com toda aquela situação.
Por fim, descemos no ponto e ainda demos tchauzinho pra
turma do fundo e pros amigos que estavam no mesmo ônibus e que eu nem tinha
notado.
Tem histórias que a gente revive melhor quando tem que
contar de novo. Mais do que lembrar, contar nos faz estar dentro dela novamente,
com todo o cenário, os sons e as cores. Talvez seja por isso que agora, ao
acabar de ler o que escrevi, me pego com este sorriso de criança, meio de lado,
cheio de saudades.