sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

O Vendedor


Servidor Público do estado do Rio de Janeiro, Leandro resolveu vender o violão e, num ímpeto, o anunciou na internet. Sua mulher Viviane, um tanto perturbada com a decisão, se prontificou a vender umas coisas também, a bicicleta talvez, tudo pra evitar que o marido se separasse daquele instrumento que valia tanto pra ele.
O quadro de penúria do governo estadual vem atingindo de forma cruel e irresponsável todo o conjunto dos servidores públicos. Com salários atrasados, sem décimo terceiro, sem perspectivas, inclusive com o antigo governador preso, o estado de calamidade propagado nas mídias só aponta como saída o corte de gastos com o funcionalismo e a retirada de direitos dos trabalhadores. Mera quimera festejada pela mídia e judiciário juntos.
O fato é que Leandro já não tinha a quem recorrer e vender outros objetos da casa poderia fazer alguma falta e ser uma atitude a ser lamentada no futuro. O violão foi um arroubo de cavalheirismo dele e um sacrifício gentil em nome do bem estar do casal.
Mas Viviane procurava um outro jeito, pensava em alternativas e nada lhe vinha à cabeça. Até que um comprador ligou e marcou de ir ver o violão. Na entrada do shopping eles iriam se encontrar e fechar o negócio. Foi então que bateu o desespero nos dois. Diante da perspectiva real de venda do violão os dois titubearam, um escondendo do outro a ansiedade. Viviane então propôs ao marido que se o comprador dissesse isso do violão, um ai que depreciasse o instrumento, a venda estaria cancelada. Este seria o acerto entre eles dois. O sinal divino de que a venda era mesmo a coisa certa a fazer estaria no comportamento do comprador. Isso incluía até um pedido pra baixar o preço ou algum tipo de pechincha, barganha ou desconto. Qualquer sinal neste sentido era pra venda não se realizar. Ela estendeu a mão ao marido dizendo um tenso “combinados?” e foram pro shopping.
Eu estava no mesmo shopping esperando minha irmã que vinha direto do trabalho. De férias no Rio, com aquele calorão de sauna ao ar livre, só mesmo marcando encontro num shopping com temperatura civilizada. A partir do momento em que notei o casal se aproximando com um violão nas costas foi que passei a acompanhar toda a história e, ao final, pedi que ambos me contassem o que havia ocorrido antes de toda aquela cena da venda que eu acabava de assistir.
A cena: assim que tirou da capa o belo violão Yamaha com cordas de aço, tipo Folk, tudo nele brilhava. As cordas, as tarraxas, os trastes, as cravelhas, o verniz, o fundo. Conforme eles viravam o violão pra melhor visualização do possível comprador, mais ele reluzia e refletia aquele monte de luzes das vitrines do shopping. Foi então que o rapaz franzino, rabo de cavalo e calça xadrez passou a só elogiar a viola, dando início a um duelo torto e improvável, daqueles que a vida nos põe à frente poucas vezes e que por isso mesmo custamos a entender o real sentido de tudo, da música, do dinheiro, da amizade, do amor.
De um lado o vendedor se esmerava em apontar os “defeitos” do violão, que era duro de tocar, que as cordas eram afastadas demais do braço, que semitonava às vezes e, do outro lado, o rapazote, inabalável, não cansava de elogiar o instrumento, dizendo que nada daquilo era problema. Tudo ao contrário! Os sorrisos eram nervosos de parte a parte, a tensão por demais palpável, até que a mulher tomou a frente:
– Olha, nós não vamos vender não, tá? Meu marido adora essa viola, não sei como ele vai ficar sem ela e você nos desculpe, mas eu não vou deixar ele vender mais. Nós vamos dar um jeito, sei lá, nessa situação toda, dinheiro a gente arruma depois e vamos ficar com o nosso violão.
O rapaz, diante dos olhos vermelhos da mulher, começou dizendo que não tinha problema algum e que achava mesmo que o homem não devia vender, que a viola era linda demais, que a gente se apega mesmo ao instrumento e que na vida, quando as coisas estão ruins, é sinal de que vão melhorar logo e logo. Em seguida deu um abraço em cada um e se despediu:
– Vocês são um casal bem bacana. Dá pra ver que são parceiros mesmo. Se cuidem e cuida bem dele – disse apontando pro Yamaha.
Na minha cabeça a música mais linda do mundo começou a tocar no exato instante em que Leandro, de viola nas costas e abraçado a sua parceira de vida, saiu pelo corredor em direção à rua. Ela enxugava as lágrimas e ele beijava o seu rosto sem parar.
Quando minha irmã chegou era eu que estava sentindo o mar atravessando os meus olhos míopes e alegres, como Djavan costuma cantar.