Tão em desuso como o termo do título, os
aparelhos telefônicos públicos, chamados de orelhões por causa do seu formato,
hoje são coisa do passado. Funcionavam com fichas, parecidas com moedas, e a
depender da localidade do número chamado o tempo de conversa de cada ficha
variava muito. Quanto mais longe menos tempo.
O normal era três minutos e eu lembro que as
pessoas que tinham uma única ficha ficavam ensaiando o texto que iam dizer,
antes de fazer a chamada, para que a conversa não fosse cortada no meio e algo
ficasse por dizer ou mesmo ininteligível. Os telefones tinham um disco e antes
de discar – daí o termo –, a pessoa inseria a ficha. A ficha, por sua vez,
ficava presa dentro do aparelho até que a ligação fosse completada e do outro
lado alguém atendesse. Quando a pessoa escutava o tilintar da ficha caindo
dentro do aparelho era sinal de que a ligação estava em andamento e que
começava a contar o tempo. No caso da ligação não ser completada, se o número
estivesse ocupado, a ficha retornava para o usuário.
A Mônica estudava na Universidade Federal Rural
do Rio de Janeiro, cuja localização fazia toda a justiça ao nome rural.
Seropédica é o nome do município onde ela fica, na região de Itaguaí, caminho
pra São Paulo, bem distante do Rio, onde a estudante morava. Ou seja, era longe.
O avô da Mônica, o seu Saul, era um senhor português
de quase 90 anos, que ainda dirigia o próprio Fiat 147, bege, lindo e
impecavelmente cuidado. Despachado como ele só, atento a tudo e muito esperto, seu
Saul era uma figura e, a não ser pelo seu pequeno problema de surdez, era
literalmente um jovem de 90 anos.
Naquele dia a Mônica teve um contratempo e teria
que ficar na faculdade até tarde, sendo prudente que ela fosse dormir ali
perto, na casa de uma amiga, pra não ter de voltar tarde pra casa. Avaliando a
melhor maneira de avisar a mãe, para que esta não se preocupasse com a sua mudança
de planos, ela decidiu que ia telefonar para casa do orelhão perto da cantina
da faculdade, pois sua amiga não tinha telefone residencial. O celular, apenas
para constar, só seria inventado alguns anos depois.
A Mônica tinha uma única ficha e foi por isso
que ela também usou o expediente de repassar o que iria dizer, antes de ligar.
Pensou que, se desse sorte, sua irmã atenderia a ligação e tudo seria mais
fácil. Naquele horário a mãe não estaria em casa ainda, então, além da irmã, o
seu avô Saul poderia ser fatalmente a segunda opção.
Preparou as frases e repetiu em voz alta. Depois
a amiga que estava junto disse que estava perfeito e a encorajou a ligar. Uma
única ficha, nenhum lugar pra comprar outras, o nervosismo, o texto a ser dito prontinho,
lá foi ela discar o número de casa.
A amiga, ao lado do orelhão, dava todo o apoio e
parecia que rezava pra tudo dar certo. Ela ligou. Apurou o ouvido, apertou o
fone no rosto e disse pausadamente “Oi vô, aqui é a Mônica”. Mas nem teve tempo
de suspirar e já gritava um desesperado “Não, não, não... Ai, puta merda”.
Descruzando as mãos da reza, a amiga deu um pulo
de susto e perguntou com o mesmo desespero:
– O que aconteceu? Caiu?
E a menina, em desconsolo, explicou que simplesmente
iniciou tudo com a maior calma:
– Eu disse “Vô, aqui é a Mônica”, mas do outro
lado ele apenas respondeu com firmeza “A Mônica não está”, e bateu o telefone!
Um longo tempo em silêncio e finalmente as duas
se entreolharam pra ir embora dali, pensativas, sem saber o que fazer.
– Vixe, agora acabou – disse a amiga.