segunda-feira, 27 de março de 2017

O Telefonema


Tão em desuso como o termo do título, os aparelhos telefônicos públicos, chamados de orelhões por causa do seu formato, hoje são coisa do passado. Funcionavam com fichas, parecidas com moedas, e a depender da localidade do número chamado o tempo de conversa de cada ficha variava muito. Quanto mais longe menos tempo.
O normal era três minutos e eu lembro que as pessoas que tinham uma única ficha ficavam ensaiando o texto que iam dizer, antes de fazer a chamada, para que a conversa não fosse cortada no meio e algo ficasse por dizer ou mesmo ininteligível. Os telefones tinham um disco e antes de discar – daí o termo –, a pessoa inseria a ficha. A ficha, por sua vez, ficava presa dentro do aparelho até que a ligação fosse completada e do outro lado alguém atendesse. Quando a pessoa escutava o tilintar da ficha caindo dentro do aparelho era sinal de que a ligação estava em andamento e que começava a contar o tempo. No caso da ligação não ser completada, se o número estivesse ocupado, a ficha retornava para o usuário.
A Mônica estudava na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, cuja localização fazia toda a justiça ao nome rural. Seropédica é o nome do município onde ela fica, na região de Itaguaí, caminho pra São Paulo, bem distante do Rio, onde a estudante morava. Ou seja, era longe.
O avô da Mônica, o seu Saul, era um senhor português de quase 90 anos, que ainda dirigia o próprio Fiat 147, bege, lindo e impecavelmente cuidado. Despachado como ele só, atento a tudo e muito esperto, seu Saul era uma figura e, a não ser pelo seu pequeno problema de surdez, era literalmente um jovem de 90 anos.
Naquele dia a Mônica teve um contratempo e teria que ficar na faculdade até tarde, sendo prudente que ela fosse dormir ali perto, na casa de uma amiga, pra não ter de voltar tarde pra casa. Avaliando a melhor maneira de avisar a mãe, para que esta não se preocupasse com a sua mudança de planos, ela decidiu que ia telefonar para casa do orelhão perto da cantina da faculdade, pois sua amiga não tinha telefone residencial. O celular, apenas para constar, só seria inventado alguns anos depois.
A Mônica tinha uma única ficha e foi por isso que ela também usou o expediente de repassar o que iria dizer, antes de ligar. Pensou que, se desse sorte, sua irmã atenderia a ligação e tudo seria mais fácil. Naquele horário a mãe não estaria em casa ainda, então, além da irmã, o seu avô Saul poderia ser fatalmente a segunda opção.
Preparou as frases e repetiu em voz alta. Depois a amiga que estava junto disse que estava perfeito e a encorajou a ligar. Uma única ficha, nenhum lugar pra comprar outras, o nervosismo, o texto a ser dito prontinho, lá foi ela discar o número de casa.
A amiga, ao lado do orelhão, dava todo o apoio e parecia que rezava pra tudo dar certo. Ela ligou. Apurou o ouvido, apertou o fone no rosto e disse pausadamente “Oi vô, aqui é a Mônica”. Mas nem teve tempo de suspirar e já gritava um desesperado “Não, não, não... Ai, puta merda”.
Descruzando as mãos da reza, a amiga deu um pulo de susto e perguntou com o mesmo desespero:
– O que aconteceu?  Caiu?
E a menina, em desconsolo, explicou que simplesmente iniciou tudo com a maior calma:
– Eu disse “Vô, aqui é a Mônica”, mas do outro lado ele apenas respondeu com firmeza “A Mônica não está”, e bateu o telefone!
Um longo tempo em silêncio e finalmente as duas se entreolharam pra ir embora dali, pensativas, sem saber o que fazer.
– Vixe, agora acabou – disse a amiga.