O Roger foi
convidado pra ajudar no Curso de Pais da igreja. Era um curso regular, que
completava o catecismo, só que era feito para os pais dos alunos que, logo mais,
fariam a primeira comunhão.
Ele era do
grupo jovem da igreja, devia ter uns 17 anos e não sabia muito bem
o que ia fazer no tal curso. A pauta enfim foi que ele falasse sobre as
atividades do grupo, a participação nas missas e que no encerramento poderia optar
por ler um texto, que não precisava ser bíblico, com um comentário no final. Mas
tudo do jeito que ele preferisse. Só pra fechar.
O texto escolhido
falava de um navio atravessando uma grande tormenta em alto-mar. Os passageiros
aflitos rezavam e tinham muito medo do que poderia acontecer. Um menino, alheio
a todo o perigo, brincava com o balançar da embarcação, parecendo se divertir
com tudo aquilo. Até que uma senhora pergunta ao garoto se ele não tinha medo
da tempestade, de o navio afundar e todos morrerem, ao que ele responde, muito
sério, que ele não tinha medo porque quem estava no timão era seu pai, que era
o capitão do navio.
Ele cumpriu o
programa, falou do grupo de jovens, leu o texto no final e deu a tarefa por
encerrada.
Curiosamente, entretanto,
foi depois dessa sua participação que veio o professor Tales. O Roger estava já
no fundo da sala, quase de saída, quando ouviu as primeiras palavras do
professor, e, daí em diante, não conseguiu mais ir embora.
É que depois
de se apresentar, o homem foi logo interpelando o público, assim de supetão:
– Levanta a
mão quem aqui sabe o que é androide?
Algumas
pessoas se entreolharam, mas muitos ou quase todos acabaram levantando a mão.
– Quem sabe o
que é algoritmo? E timeline?
E toca de
levantar a mão, sem saber direito o que eram aquelas perguntas.
– Alguém conhece
o termo “bugar”? E feed, levanta a mão aí quem sabe. Quem aqui sabe dar um like?
E o pessoal ia
levantando a mão a cada pergunta, cada vez mais animado.
– Stories? Reels? Tik-Tok?
Os risos
esperando pelo fim do questionário eram de nervoso e também curiosidade.
– Por fim, Mark Zuckerberg. Esse, claro, nem vou perguntar pois todos sabem quem é
e o que faz. Se duvidar, até quanto ele ganha. Bem, quanto ele ganha ninguém sabe,
nem ele mesmo.
Risada geral. Começo retumbante. Então, o professor foi até
o quadro negro e escreveu 8/6.
Ficou ali um
tempo, auscultando a plateia. Apontava pro quadro. Abria os braços, como que
oferecendo o giz a esmo.
E todos em silêncio.
– Alguém sabe
ler isso aqui – retomou o professor.
– Oito sobre seis – ouviu-se uma voz tímida ao fundo.
– Oito inteiros
e seis avos – uma outra, mais corajosa.
– Oito sextos – uma terceira.
– A nomenclatura
de Oito Sextos está boa pra mim. Ok. Mas o que isso quer dizer? O que
significa isso que eu escrevi no quadro? Seria talvez oito unidades divididas
por seis unidades? Podemos dizer assim? Sim ou não? Quem concorda com isso?
Um burburinho
foi aumentando na sala. Cada um dando o seu pitaco, duvidando do pitaco do outro,
dos outros, tantas possibilidades que mal dava pra entender realmente o que era
aquele famigerado 8/6.
Até que do
público surgiu uma voz decidida, dizendo que sim, era a representação de oito a
ser dividido por seis. Uma conta de dividir, normal: oito, dividido por seis.
Novamente o
professor pegou o giz, ergueu nas pontas dos dedos e disse:
– Alguém se
habilita a resolver essa simples divisão? Mas tem que resolver aqui no quadro,
com o giz. Sem celular, sem calculadora, nada. Na mão mesmo. Alguém?
Alguns minutos
passados um senhor foi até lá e corajosamente ousou montar a conta. Fez o “L”
com o giz, botou o número oito de fora e o seis dentro. Aí, coçou a cabeça e
disse que não era possível dividir ou fazer aquela conta por uma
simples razão: não ia dar um número exato. Disse isso meio sem certeza, titubeou
na armação do enigma no quadro, fez uma reverência ao mestre e foi se sentar.
Esfregando as
mãos pra tirar o pó de giz dos dedos, o professor Tales iniciou:
– Vocês me dão
licença agora, mas eu vou chamar o André. Por favor André, entra aqui na sala
por favor. Esse é o André – disse apontando o menino de boné e bermuda larga. –
Ele tem 10 anos, é meu aluno da Sétima Série e gosta muito de matemática. Não é
André?
– De
matemática, sim, eu gosto muito – disse o menino com alguma timidez e evitando
encarar a plateia.
– Então, olhem
bem, o André só precisa de um giz. Deste giz – e ofereceu ao menino o bastonete
em riste.
O garoto usou a
montagem da conta de dividir que já estava no quadro, fez um traço e escreveu o
número 1. Depois botou uma vírgula do lado dele. Então escreveu o número 2,
abaixo do 8, seguido de um zero ao seu lado. Aí, escreveu o número 3 logo
depois da vírgula. Abaixo do número 2 o menino pôs outro número 2, também com
um zero do lado direito. Então tornou a escrever um número 3 ao lado do 3 que
já estava escrito depois da vírgula e desenhou também um novo número 2 abaixo
dos outros dois anteriores.
Por fim o
menino se afastou um pouco do quadro, deu uma olhada geral conferindo tudo o
que tinha escrito, os números nos lugares certos, e sentenciou encabulado:
– O resultado é
esse aí, professor. É uma dízima periódica.
Os aplausos surgiram
efusivos por toda a sala, enquanto o menino se retirava, meneando a cabeça.
O professor, orgulhoso, falou algo sobre os limites do saber, o respeito pelo saber dos filhos, o reconhecimento dos pais pelo aprendizado deles, e sublinhou a sua palestra com o empenho que os pais devem ter em respeitar as descobertas, as vivências e as dificuldades dos filhos.
– Nessa idade – asseverou o mestre – as
crianças não têm problema algum, mas nós, professores, ensinamos que os
problemas, os verdadeiros, quando surgirem na vida, poderão ser resolvidos com método, com
raciocínio e alguma inteligência. Como na matemática. A matemática prepara o
ser humano para a vida. Então o que eu peço é que vocês respeitem os seus
filhos. Sempre. Muito obrigado!
Quando os novos
e não menos efusivos aplausos começaram a cessar, o mestre retornou:
– E afinal, pra
encerrar mesmo, alguém nessa sala poderia me explicar tecnicamente o que vem a
ser uma dízima periódica?
E todos deram
uma boa gargalhada.