A campainha
tocou e ele se deu conta de que estava nervoso com aquele reencontro. Havia
cerca de um ano que o casal estava separado. Não houve briga, discussão, nada.
Nem algo que se possa apontar como grande motivo para tudo ter acontecido da
forma como aconteceu. Quando perguntado pelos amigos mais próximos, todos pegos
de surpresa, diga-se, nenhum dos dois era capaz de listar qualquer causa
satisfatória. “Isso não está indo a lugar algum”, diziam, segurando um suspiro
na garganta.
De repente,
num final de tarde, tomaram juntos a decisão e ela, já no dia seguinte, fechou
silenciosamente a porta do quarto, desceu as escadas até a cozinha e se foi, deixando
o chaveiro na mesa da sala. Ao lado das chaves, o retrato do Tarantino, com um
osso na boca, parecia tentar entender o que se passava.
Reconhecendo o
caminho, os móveis e a velha janela aberta para a palmeira da praça, ela foi
entrando. Depois se sentou, pondo a bolsa no chão.
– Então, como
está a vida?
– Na mesma. Muito
trabalho e pouco dinheiro. E você?
– Minha mãe
está um pouco doente.
– Grave?
– Ainda não
sabemos. O Tarantino?
– Na casa de
um amigo. O filho ficou louco por ele. Aí deixei ficar lá um tempo. Ele anda
meio triste nessa casa.
Enquanto ele pegava
um copo d’água e oferecia à visita, passou pelo corredor e trouxe uma sacola
grande.
– Ah, as
fotos...
– Sim, as
fotos. Tenho olhado muito elas. Desde o dia que você falou que queria vir buscar
algumas.
– Tem muita
coisa aí. Dá pra ver que tá abarrotada.
Em pouco tempo
o chão e a mesa ficaram cheios de fotos. De todos os tamanhos, lugares, gente
conhecida e outras nem tanto. Algumas esmaecidas e outras avermelhadas pelo
tempo, mas eram fotos de toda uma vida, ou melhor, de duas. Eles iam olhando,
separando as que ela queria levar, comentando os vestidos, os destinos, os
caminhos, tal qual a Marisa canta.
– Nossa, tô
vendo que aqui tem muito mais foto minha do que sua.
– Mas é claro,
a pessoa é linda desse jeito, tem que ter muito mais foto sua. Olha essa aqui,
com esse vestido? Amarelo e rosa. Todo florido. E ainda por cima de tênis. Olha
isso!?
Foi ouvir essa
frase e o choro dela veio como um flúmen, sem força para ser contido. Ele
sentou no chão, ao lado da sua cadeira e ela foi se recompondo. Em seguida disse
que lembrava nitidamente daquele vestido, do dia, do lugar, de tudo. Ele disse
“eu também”, mas falou tão baixinho que ela nem ouviu.
– Não vou
conseguir ficar longe desses retratos.
– Nem eu –
disse ele, agora com voz firme.
– O que a
gente faz da nossa vida?
– O que a
gente fez da nossa vida!
– Ficar sem
você me fez ver que sozinha eu não vou a lugar algum.
– E a gente
usou essa frase pra decidir por caminhos separados.
– Se eu não
vou a lugar algum, então que seja com você.
Ainda
segurando o retrato dela, de vestido florido com o tênis, eles se abraçaram
longamente. Depois de um bom tempo, aos poucos, foram enxugando os olhos.
– Como foi em
Paris?
– Faltou você!
E como foi em Buenos Aires?
– Faltou você
também.
– Vou buscar as
minhas coisas. De tardinha estou de volta.
– Vou buscar o
Tarantino. Ele está morrendo de saudades.
E os dois, juntos, desceram as escadas.