Na tarde de ontem,
sexta-feira, 29 de novembro, uma viatura da polícia esteve aqui na frente do
museu para retirar um casal de mendigos que estava dormindo debaixo da
marquise. Eles dormem de dia porque de noite precisam ficar acordados e atentos
para não serem violentados, queimados, roubados etc.
O guarda chegou
falando alto e dizendo que eles tinham que sair logo. Deu-se uma pequena
discussão entre a mulher e o policial, a partir de uma ameaça da autoridade
quanto à demora na saída deles. Desta discussão o policial, dono da situação,
disse que como castigo – como se os mendigos precisassem de mais castigo – iria
apreender todas as roupas (trapos) e objetos deles, inclusive um papelão e um
colchão, onde eles dormiam.
E assim fez. Enquanto
os dois mendigos saíam em direção ao fim da rua, o guarda catou todos os
pertences (?) deles e botou dentro da mala do carro da polícia e disse que era
pra eles aprenderem a obedecer.
Para os que já estão
indignados com este singelo fato eu alerto para preparar o estômago por que
ainda tem mais: depois de tudo que ocorreu e que eu assisti estarrecido, pois
havia presenciado um roubo praticado pela própria polícia sob a aprovação de
todos que passavam, fiquei pensando em que tipo de pessoa chamaria a polícia
pra fazer este tipo de “trabalho”. Foi aí que me avisaram que foi o
próprio MUSEU VICTOR MEIRELLES que o fez.
Não preciso dizer (ou
preciso) que o nosso trabalho é em prol da educação, da inclusão social, da
reflexão artística, social e política, etc etc etc...; que temos sociólogo,
museólogo, antropólogo bem aqui à mão para dar as suas contribuições; que tem
museus fazendo trabalhos excelentes justamente com moradores de rua; não, não
preciso dizer isso pra enquadrar a minha indignação, junto com a nossa indigna
nação, em algo que justifique uma ação inclassificável assim.
Ok, alguém poderá dizer que não é justo eles virem sujar aqui toda a rua do museu e a dona Alzira ter de
limpar. E eu respondo: não é justo um monte de coisas. No rol das injustiças
não é uma questão de a gente ver qual é a mais injusta. Vão dizer ainda que eles são
drogados. Sim, mas os drogados são doentes, muito mais do que criminosos. E,
ainda, digo eu, se os cachorros passam pela rua e sujam tudo aqui na frente? Aí a dona
Alzira pode limpar? Na verdade o trabalho dela não inclui limpeza fora das
dependências do museu. É só olhar no contrato da empresa. Ademais, podemos
ainda conversar, discutir, decidir junto sobre este tipo de ação, mas nunca
usar o expediente de se livrar, de espantar como se pudéssemos confundir, no
nosso dia a dia, seres humanos com pombos, que a gente afugenta do nosso
caminho.
Fiquei muito triste
com o roubo que presenciei. Mas fiquei ainda mais triste ao saber da
autoria intelectual (?) do crime cometido.
Às vezes eu chego a
acreditar que este museu ainda tem jeito, que vamos ter novamente prazer em
trabalhar aqui. E cada vez que percebo um novo passo no sentido contrário
disso, acho que algo ficou pelo caminho, algo não foi dito na transição de uma
postura que já tivemos para esta que estamos começando a delimitar.
Cheguei aqui no museu
hoje pela manhã. É um sábado chuvoso e eu vim substituir o Rafael no plantão.
Em volta do museu um monte de papel picado cobria a rua, a esquina, a calçada.
O aspecto era de pura sujeira, pois tinha papel por todo lado, uma sujeira
diferente daquela que os mendigos deixam. Eram folhas de processos rasgadas,
ofícios e outros documentos oficiais de um órgão público. No pedaço que eu
recolhi tem um carimbo no alto. Nele pode-se ler Secretaria de Estado da
Segurança Pública – Consultoria Jurídica. A Secretaria fica na própria Rua
Victor Meirelles.
Um mendigo passou
pela rua, ainda agora, no momento em que eu abria a porta. Ela falava sozinho,
como sempre e, olhando em volta, eu escutei ele dizer: - Pô, que sujeira tá
essa rua, irmão.
Pena que ele não pode
chamar a polícia pra mandar prender o chefe da Secretaria de Segurança. Ou pode?
Abraços e bom final
de semana (sem mendigos) a todos,