sábado, 30 de novembro de 2013

O Papel Picado

Na tarde de ontem, sexta-feira, 29 de novembro, uma viatura da polícia esteve aqui na frente do museu para retirar um casal de mendigos que estava dormindo debaixo da marquise. Eles dormem de dia porque de noite precisam ficar acordados e atentos para não serem violentados, queimados, roubados etc.
O guarda chegou falando alto e dizendo que eles tinham que sair logo. Deu-se uma pequena discussão entre a mulher e o policial, a partir de uma ameaça da autoridade quanto à demora na saída deles. Desta discussão o policial, dono da situação, disse que como castigo – como se os mendigos precisassem de mais castigo – iria apreender todas as roupas (trapos) e objetos deles, inclusive um papelão e um colchão, onde eles dormiam.
E assim fez. Enquanto os dois mendigos saíam em direção ao fim da rua, o guarda catou todos os pertences (?) deles e botou dentro da mala do carro da polícia e disse que era pra eles aprenderem a obedecer.
Para os que já estão indignados com este singelo fato eu alerto para preparar o estômago por que ainda tem mais: depois de tudo que ocorreu e que eu assisti estarrecido, pois havia presenciado um roubo praticado pela própria polícia sob a aprovação de todos que passavam, fiquei pensando em que tipo de pessoa chamaria a polícia pra fazer este tipo de “trabalho”.  Foi aí que me avisaram que foi o próprio MUSEU VICTOR MEIRELLES que o fez.
Não preciso dizer (ou preciso) que o nosso trabalho é em prol da educação, da inclusão social, da reflexão artística, social e política, etc etc etc...; que temos sociólogo, museólogo, antropólogo bem aqui à mão para dar as suas contribuições; que tem museus fazendo trabalhos excelentes justamente com moradores de rua; não, não preciso dizer isso pra enquadrar a minha indignação, junto com a nossa indigna nação, em algo que justifique uma ação inclassificável assim.
Ok, alguém poderá dizer que não é justo eles virem sujar aqui toda a rua do museu e a dona Alzira ter de limpar. E eu respondo: não é justo um monte de coisas. No rol das injustiças não é uma questão de a gente ver qual é a mais injusta. Vão dizer ainda que eles são drogados. Sim, mas os drogados são doentes, muito mais do que criminosos. E, ainda, digo eu, se os cachorros passam pela rua e sujam tudo aqui na frente? Aí a dona Alzira pode limpar? Na verdade o trabalho dela não inclui limpeza fora das dependências do museu. É só olhar no contrato da empresa. Ademais, podemos ainda conversar, discutir, decidir junto sobre este tipo de ação, mas nunca usar o expediente de se livrar, de espantar como se pudéssemos confundir, no nosso dia a dia, seres humanos com pombos, que a gente afugenta do nosso caminho.
Fiquei muito triste com o roubo que presenciei.  Mas fiquei ainda mais triste ao saber da autoria intelectual (?) do crime cometido.
Às vezes eu chego a acreditar que este museu ainda tem jeito, que vamos ter novamente prazer em trabalhar aqui. E cada vez que percebo um novo passo no sentido contrário disso, acho que algo ficou pelo caminho, algo não foi dito na transição de uma postura que já tivemos para esta que estamos começando a delimitar.
Cheguei aqui no museu hoje pela manhã. É um sábado chuvoso e eu vim substituir o Rafael no plantão. Em volta do museu um monte de papel picado cobria a rua, a esquina, a calçada. O aspecto era de pura sujeira, pois tinha papel por todo lado, uma sujeira diferente daquela que os mendigos deixam. Eram folhas de processos rasgadas, ofícios e outros documentos oficiais de um órgão público. No pedaço que eu recolhi tem um carimbo no alto. Nele pode-se ler Secretaria de Estado da Segurança Pública – Consultoria Jurídica. A Secretaria fica na própria Rua Victor Meirelles.
Um mendigo passou pela rua, ainda agora, no momento em que eu abria a porta. Ela falava sozinho, como sempre e, olhando em volta, eu escutei ele dizer: - Pô, que sujeira tá essa rua, irmão.
Pena que ele não pode chamar a polícia pra mandar prender o chefe da Secretaria de Segurança. Ou pode?

Abraços e bom final de semana (sem mendigos) a todos,


segunda-feira, 25 de novembro de 2013

O Cobrador

Assim que subi naquele ônibus o cobrador me disse “bom dia, jovem”. A princípio nem achei que era comigo. Depois pensei: será que esse cara me conhece de algum lugar? E no final, depois da surpresa do cumprimento, me apressei em responder: “Bom dia, amigo”.
Meu dia não tinha começado nada bom. As coisas não iam bem, nem em casa nem no trabalho e meu carro, que era a álcool, não havia dado a partida de jeito nenhum e eu tive que me aventurar num ônibus para ir para o Centro. Rio de Janeiro, Avenida Brasil, numa sexta-feira de calor, é certeza de ruas engarrafadas e trânsito cheio, chato e viagem modorrenta. Pois minha manhã começou assim.
Sentado nos últimos bancos, eu estava bem próximo do cobrador e pude ver todas as vezes que ele dava “bom dia” a cada passageiro e podia notar também a retribuição alegre da maioria, não sem antes perceber a cara de surpresa e a desconfiança de cada um antes de responder, exatamente como eu fiz. Ora era o “bom dia, madame”, ora um “Vai com Deus, amigo”. O repertório era grande e, na verdade, tinha umas pessoas que já o conheciam e, por isso mesmo, já entravam no ônibus falando com ele, desejando um bom dia de trabalho e até ensaiando uma conversa breve enquanto cruzava a roleta.
Diferentemente de hoje, naquele tempo os ônibus tinham a roleta na parte de trás do veículo, e não na frente, ficando o motorista e o cobrador bem longe um do outro. Acho que era por isso que de vez em quando o motorista dava uma olhada pelo retrovisor, pra ver se aquelas pessoas em volta da roleta representavam algum problema para a viagem. De lá ele via o cobrador rindo e as pessoas falando em volta dele e logo dava um sorrisinho também, balançando a cabeça, já sabendo que ali não tinha nada de errado.
Uma moça que acabara de entrar e sentou perto de mim, num certo momento perguntou com ar de intrigada:
- O senhor sabe que as pessoas estranham certas coisas, né? Eu mesmo achei esquisito o jeito que o senhor fala com as pessoas. Isso não é muito comum. Me diz, o senhor é sempre assim? Sempre fala com as pessoas assim, dando bom dia, no maior bom-humor?
A pergunta dela, em tom alto já que fora feita desde o banco em que estava sentada, me possibilitou acompanhar o diálogo que viria a seguir e eu tive a sensação de que todos ali já estavam esperando por aquilo, como se todos estivessem acostumados com o fato de a cada viagem aquele cobrador ter de responder a algo parecido.
Reservei toda a minha atenção para ouvir a resposta do cobrador, que começou com toda a simplicidade:
- Eu sempre fui assim. Minhas manhãs são de muito trabalho, atenção nos trocos, e esse horário, a hora do “rusti” é complicada mesmo. Mas eu tenho que tratar bem os passageiros. Eles acordam cedo, assim como eu, passam o dia no batente e os ônibus são ruins, o trânsito é ruim e o calor é muito. Não sei o que cada um passou mais cedo, os contratempos e adversidades. É por isso eu tento ser gentil e levantar o astral, dando bom dia, surpreendendo o pessoal com uma palavra de ânimo.
- Bacana da sua parte - respondeu um rapaz que, igual a mim, estava ligado na conversa.
E então o cobrador, que já era admirado por todos nós, arrematou:
- Agora, eu posso escolher entre passar por esta manhã de trabalho despercebido ou ser uma pessoa que vai ficar na lembrança dos passageiros como um cara gentil, que quer bem a todo mundo e que, acima de tudo, finge como ninguém que é um cara feliz.
E eu pensando no meu carro enguiçado, achando que era a coisa mais importante do mundo.
Saltei do ônibus e fui pro trabalho, na boa, com nada de peso nos ombros.
Enquanto descia as escadas ainda pude ouvir alguém, dentro do coletivo, assobiando uma música, bem conhecida, cuja letra diz:
- Dizem que sou louco por pensar assim.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Lançamento do Livro Antes de Mim



Sexta-feira
dia 22 de novembro de 2013
às 18 horas
Livrarias Catarinense
Rua Felipe Schmidt, nº 60
Centro, Florianópolis.