Assim que subi
naquele ônibus o cobrador me disse “bom dia, jovem”. A princípio nem achei que
era comigo. Depois pensei: será que esse cara me conhece de algum lugar? E no
final, depois da surpresa do cumprimento, me apressei em responder: “Bom dia,
amigo”.
Meu dia não tinha
começado nada bom. As coisas não iam bem, nem em casa nem no trabalho e meu
carro, que era a álcool, não havia dado a partida de jeito nenhum e eu tive que
me aventurar num ônibus para ir para o Centro. Rio de Janeiro, Avenida Brasil,
numa sexta-feira de calor, é certeza de ruas engarrafadas e trânsito cheio,
chato e viagem modorrenta. Pois minha manhã começou assim.
Sentado nos últimos
bancos, eu estava bem próximo do cobrador e pude ver todas as vezes que ele
dava “bom dia” a cada passageiro e podia notar também a retribuição alegre da
maioria, não sem antes perceber a cara de surpresa e a desconfiança de cada um
antes de responder, exatamente como eu fiz. Ora era o “bom dia, madame”, ora um
“Vai com Deus, amigo”. O repertório era grande e, na verdade, tinha umas
pessoas que já o conheciam e, por isso mesmo, já entravam no ônibus falando com
ele, desejando um bom dia de trabalho e até ensaiando uma conversa breve
enquanto cruzava a roleta.
Diferentemente de
hoje, naquele tempo os ônibus tinham a roleta na parte de trás do veículo, e
não na frente, ficando o motorista e o cobrador bem longe um do outro. Acho que
era por isso que de vez em quando o motorista dava uma olhada pelo retrovisor,
pra ver se aquelas pessoas em volta da roleta representavam algum problema para
a viagem. De lá ele via o cobrador rindo e as pessoas falando em volta dele e
logo dava um sorrisinho também, balançando a cabeça, já sabendo que ali não
tinha nada de errado.
Uma moça que acabara
de entrar e sentou perto de mim, num certo momento perguntou com ar de
intrigada:
- O senhor sabe que
as pessoas estranham certas coisas, né? Eu mesmo achei esquisito o jeito que o
senhor fala com as pessoas. Isso não é muito comum. Me diz, o senhor é sempre
assim? Sempre fala com as pessoas assim, dando bom dia, no maior bom-humor?
A pergunta dela, em
tom alto já que fora feita desde o banco em que estava sentada, me possibilitou
acompanhar o diálogo que viria a seguir e eu tive a sensação de que todos ali
já estavam esperando por aquilo, como se todos estivessem acostumados com o
fato de a cada viagem aquele cobrador ter de responder a algo parecido.
Reservei toda a minha
atenção para ouvir a resposta do cobrador, que começou com toda a simplicidade:
- Eu sempre fui
assim. Minhas manhãs são de muito trabalho, atenção nos trocos, e esse horário,
a hora do “rusti” é complicada mesmo. Mas eu tenho que tratar bem os
passageiros. Eles acordam cedo, assim como eu, passam o dia no batente e os
ônibus são ruins, o trânsito é ruim e o calor é muito. Não sei o que cada um
passou mais cedo, os contratempos e adversidades. É por isso eu tento ser
gentil e levantar o astral, dando bom dia, surpreendendo o pessoal com uma
palavra de ânimo.
- Bacana da sua parte
- respondeu um rapaz que, igual a mim, estava ligado na conversa.
E então o cobrador,
que já era admirado por todos nós, arrematou:
- Agora, eu posso
escolher entre passar por esta manhã de trabalho despercebido ou ser uma pessoa
que vai ficar na lembrança dos passageiros como um cara gentil, que quer bem a
todo mundo e que, acima de tudo, finge como ninguém que é um cara feliz.
E eu pensando no meu
carro enguiçado, achando que era a coisa mais importante do mundo.
Saltei do ônibus e
fui pro trabalho, na boa, com nada de peso nos ombros.
Enquanto descia as
escadas ainda pude ouvir alguém, dentro do coletivo, assobiando uma música, bem
conhecida, cuja letra diz:
- Dizem que sou louco
por pensar assim.