Certo dia a filha mais velha de minha cunhada Leonora, Isabela, entrou
em casa de modo estranho. Era um sentimento um tanto confuso, que ela tinha de
dividir com a mãe, pois que envolvia sua irmã dois anos mais nova, Érica, que
contava nove anos. A menina sondou a mãe enquanto esta aprontava o almoço e
disse que era uma conversa delicada, e sem que a irmã ouvisse elas haveriam de
conversar, só as duas, sobre um fato que estaria prestes a acontecer e que
mudaria para sempre a infância daquelas irmãs.
Combinaram que arranjariam mãe e filha um tempo pra falar, à tarde,
enquanto a irmã estivesse na escola. E assim foi. Naquela tarde, como quem
alerta alguém para um perigo iminente, a pequena Isabela começou, meio sem
jeito.
- Mãe, a senhora tem de fazer alguma coisa. A mana está sendo ridicularizada pelas
colegas da classe e eu já não tenho como me comportar perto dela quando isso
acontece. Eu chego a ficar com vergonha, mas é a senhora que tem de contar pra
ela a verdade. As meninas sempre caçoam dela porque ela diz que vai escrever
uma carta pro Papai Noel e que vai botar no correio, essas coisas. Mãe, ela
ainda acredita em Papai Noel e as meninas ficam fazendo piadinhas com ela. Mãe,
a senhora tem de contar pra ela, contar a verdade! Eu gosto da minha irmã e não
quero que isso continue acontecendo com ela.
Faz alguma coisa, mãe!
Minha cunhada ficou sem ação. Um instante célere bastou pra que ela
visse, como num filme, todos os cuidados, os carinhos, as ilusões que
proporcionou pra que a filha, a cada Natal, recebesse o presente das mãos do
próprio Noel. Era a visita ao shopping, a foto ao lado do Bom Velhinho, as
cartinhas e tudo o mais. O sonho, a magia do Natal que ela se esmerou em
perpetuar; como acreditar que tudo
aquilo agora pudesse se transformar em uma coisa ruim para a sua pequena Érica?
Por outro lado, como filha caçula, a menina teve todos os mimos e todos
os contos de fadas que os pais puderam patrocinar. E ela retribuía a tudo com
aquele seu ar angelical, fascinando toda a família, não só os pais.
Mas agora era tudo diferente. Afinal de contas, como poderia uma mãe
não defender sua filha, não evitar que ela fosse vítima daquelas troças e
zombarias. Pois com Leonora não foi diferente. Estava tomada a decisão!
“Minha filhinha, nós temos que conversar”, ela iniciou, assim que a
menina chegou do colégio. Juntou todas as suas forças e durante aquela próxima
hora e meia disse tudo. Revelou tudo e não escondeu nada. Não restou, ao fim
daquelas perversas revelações, sonho sobre sonho. Minha cunhada falou sobre as fotos nos
shoppings, as cartas pedindo bonecas, os presentes escondidos na casa da avó
até o Natal, tudo mesmo. No início achando-se forte e decidida em sua atitude. A
seguir, nem tão forte, e ainda menos certa da sua crueldade. E depois se
achando a própria Rainha Má, entregando à própria filha a maçã envenenada.
Choraram juntas as duas. A princípio só a filha e depois também a mãe,
compadecida da tristeza que estava causando. Se abraçaram forte e
lembraram de muitos Natais passados; das crianças pobres que ganhavam presentes
de papais noéis desconhecidos, das meninas que não ganhavam as bonecas
caras que pediam; uma prosa sem fim que aos poucos cuidava de ir secando as
últimas lágrimas de ambas.
De repente, como se emergisse toda a sua tristeza novamente, Érica
parou, levantou os olhos e perguntou para a sua – àquela altura – já sofrida mãezinha:
– Mãe, então o Coelhinho da Páscoa também não existe?
E
caiu num choro lento e dolorido, que só terminou quando o sono chegou e a tomou
nos braços. E quem sabe nos seus sonhos ela tenha visto - real como nós,
adultos, nunca mais pudemos ver - o Papai Noel e o Coelhinho da Páscoa trocando
presentes, na ilusória neve brasileira feita de algodão.
Um Natal Feliz para todos nós.
Um Natal Feliz para todos nós.