sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

A Aposta

Quase todo mundo nesta vida tem um tio que tem um sítio. Eu também tive o meu. Era o tio Paulo. E ele tinha um sítio grande, lindo, com quadra esportiva e piscina, na aprazível Petrópolis, cidade de serra, friazinha o ano todo, que foi escolhida por D. Pedro – e depois pelos demais cariocas – para fugir do verão infernal do Rio de Janeiro.
Quando a mulher do meu tio, a tia Neusa, ligava pra minha mãe nos chamando pra ir pro sítio, a casa da gente ficava em polvorosa, todo mundo querendo arrumar as coisas pra levar pro sítio, separando roupas, calções de banho e brinquedos, sem esquecer os jogos de tabuleiro, que a gente adorava montar pra passar horas a fio com os primos e os amigos, jogando madrugada adentro.
Numa dessas madrugadas tivemos a grata surpresa da chegada do próprio tio Paulo. Passava um pouco da meia-noite quando vimos o carro dele entrando e fomos todos pra varanda fazer festa pela sua presença. Chegou de terno, direto do trabalho e no minuto seguinte já estava de bermuda com a gente, contando algum caso interessante. Ele era bom nisso.
O sítio se chamava Maracangalha, acho que em homenagem à música famosa do Dorival, e tinha um grande salão, com muitos sofás e uma mesa de sinuca oficial, colocada embaixo de uma luminária em forma de cone, que vinha do teto até bem pertinho dela.
Naquela sala era tudo separado. As conversas dos adultos eram num lugar e as das crianças no outro, sendo que os jogos eram a oportunidade para todos estarem juntos. Nesta noite especificamente, no meio do vozerio das brincadeiras, notamos que meu tio Paulo e meu pai estavam arrumando as bolas na mesa de sinuca pra uma partida e a mesa sendo arrumada, por si só, já era motivo pra todos pararem pra ver o que estava acontecendo.
Na verdade era uma aposta. Meu pai convidou o tio Paulo e o provocou, dizendo que o bom era jogar apostando. Ao que meu tio respondeu que topava e que apostava o que ele quisesse.
- Uma garrafa de conhaque? – disse meu pai.
- Ok, mas se eu ganhar tu vai dar um mergulho na piscina no final do jogo – rebateu meu tio.
Feito o trato, lembro que nessa hora todos paramos pra ver o jogo de sinuca. Crianças, adultos, e principalmente minha tia e minha mãe, pois sabiam que ia começar algo que ficaria na lembrança de um dia no sítio, com toda a família.
O jogo então começou com aquelas provocações normais de ambos os lados. Um dizia que já sentia o cheiro do conhaque no copo e o outro dizia que a água da piscina àquela hora da madrugada devia estar mesmo boa, pois devia estar uns 10 graus na serra de Petrópolis.
Meu tio foi ganhando vantagem e, pouco antes de acabar por vencer o jogo, disse que não queria desculpa do meu pai para não pagar a aposta, que o mergulho teria que ser no final do jogo, sem choro nem vela. Aposta é aposta, lembro dele dizendo isso.
Foi então que veio a surpresa. Meu tio venceu o jogo e meu pai, com medo de cair na piscina às 2 da madrugada, começou a roer a corda.
- Sabe o que é Paulo, eu posso me gripar se mergulhar agora – começou meu pai. E tá muito frio porque agora tá mais tarde e a água ficou mais gelada ainda. Eu acho melhor cair na piscina amanhã e aí eu pago a aposta. Aliás, estou com um problema de garganta, pode até perguntar pra Jurema, que ela vai confirmar. Jurema? Onde está ela? Filha, confirma aqui pro Paulo o que eu tô dizendo – dizia meu pai, procurando a minha mãe que estava ali ao lado, até há pouco.
De repente surge a minha mãe, voltando do quarto, trazendo na mão o calção de banho do meu pai e dizendo, para surpresa de todos:
- Aposta é aposta. Tá aqui o seu calção. Se não podia cair na piscina não apostasse. Vai lá, dá o seu mergulho e depois a gente cura a sua gripe. Deixa de ser frouxo. Perdeu o jogo, agora paga a aposta.
Só deu tempo de o meu tio dar uma risada, assim como todos nós, tamanha foi a nossa surpresa. A gente esperava que minha mãe fizesse algo em defesa do meu pai, mas ela veio o calção na mão e aí não teve mais conversa. Meu tio pegou uma toalha pro meu pai, botou nas costas e, abraçando ele, foi andando pra fora da casa.
Todos nós fomos atrás, claro, e ainda pudemos ouvir meu tio dizer no caminho:
- Tá bem, pra você não chorar muito, te dou um copo daquele meu conhaque bom. Aliás, te dou duas doses: uma antes de mergulho, pra você tomar coragem, e outra pra você se aquecer de novo, enquanto se seca.
O mergulho foi um espetáculo. Depois de ligar todas as luzes da área em que ficava piscina, todo o cenário, com as árvores em volta, tudo ficou bem bonito de ver. A água estava até com aquela fumacinha por cima, de tão gelada. Meu pai então fez pose, tomou um gole, torceu um pouco a cara, mergulhou de um lado, saiu do outro e pronto. Não teve gripe, não teve choro nem vela. Mas para mim, ainda criança, a lição foi valiosa: Aposta é aposta.