sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

A Rede de Vôlei


Nos dois anos que morei na cidade de São Paulo minha grande questão era passar os finais de semana. Não que a cidade não oferecesse várias alternativas de música, teatro e cinema, além de variados restaurantes, o sonho de qualquer cidade pequena. Na verdade o meu problema era a prática esportiva.
Eu saí do Rio e lá eu levava uma vida de um verdadeiro atleta. Além da bicicleta, que eu andava pra todo lado principalmente nos finais de semana, quando o Aterro do Flamengo e a orla da zona sul são fechados para dar lugar às bikes, ainda tinha o vôlei, que eu como bom fominha jogava quatro vezes por semana, nas quartas e sextas, à noite, e nos sábados e domingos durante a manhã.
Dito isto, já deu pra perceber que os meus finais de semana em Sampa, morando perto da Paulista, se resumiam ao Parque do Ibirapuera e, como todos sabem, o Ibirapuera não tem campo de futebol, nem chuveiros, mas tem lá umas poucas quadras esportivas que eu mirava desde as primeiras vezes que lá fui.
A minha opção era então ficar perto das quadras, esperando que alguém me concedesse um lugar em um dos times, de modo que eu pudesse me entrosar com o pessoal e passar a jogar sempre com eles. Mas eu ficava ao lado da quadra, olhando o jogo e nada. Ia pra uma outra e a coisa se repetia: ninguém me chamava pra jogar. Um grupo me disse uma vez que era porque o pessoal contribuía com uma quantia todo mês pra comprar bolas e redes e que, por isso, não podiam dar lugar pra alguém de fora etc etc..
Certo dia eu cheguei mais cedo no parque, não sei bem por qual motivo. Mas lembro que tinha uma turma ainda montando a rede e eu perguntei se queriam ajuda. Pelo menos pra ajudar eles não me rechaçaram tão rápido, pensei. Só que logo a seguir veio a surpresa de um convite pra jogar com eles e eu fiquei até meio sem jeito com a naturalidade dos argumentos, do tipo “você nos ajudou e agora não quer jogar com a gente?”  Eu disse sim, claro, meio surpreso, e fui pro jogo.
No começo eu achei um pouco estranha a forma como eles comemoravam. Os dois times quando pontuavam se abraçavam de forma efusiva a cada ponto conquistado, dando tapas nas mãos espalmadas, gritando e jogando beijos uns para os outros. O jogo em si era de alto nível, com cortadas de todos os lados, defesas difíceis, infiltração, bloqueios desafiadores e os pontos eram sempre muito disputados. Só era mesmo diferente a comemoração. Mas tá, qual o problema? – pensei comigo.
Até que fui pegar uma bola que caiu na quadra de trás e um cara disse pra outro:
- Essa bola é lá da quadra das bibas.
Foi então que eu comecei a perceber, enquanto voltava com a bola, que em cada ponta da rede havia duas bandeiras com as cores do arco-íris. Além disso, os caras eram todos saradões e eu lembrei também das comemorações, da festa que era cada ponto e fui vendo que realmente aquela era uma quadra gay de vôlei.
Daí em diante eu assumi que jogaria ali sim, sempre que possível. Mesmo eu não sendo gay, na verdade foram eles que me aceitaram como eu sou. O discurso no meu caso foi todo ao contrário, pois eles, que são discriminados todos os dias, não me descriminaram por ser “de fora” ou por não ter contribuído para a compra das bolas e da rede. Então, a lição que eles ensinam eles também praticam, coisa rara de se ver tanto nas maiorias como nas minorias.
Joguei muitas vezes com eles, desde então. E lembro que sempre me sentia muito à vontade em estar numa rede gay, a rede dos tapinhas e beijinhos, mas que tinha um jogo pra lá de forte, de fazer inveja a muito marmanjo machista. Uma vez soube que rolou até um desafio entre as quadras, mas o pessoal das outras redes temia perder para as bibas e o assunto era evitado sistematicamente pelos machões, coisa que só aumentava o orgulho e a supremacia dos gays da rede do Ibirapuera.
Um amigo, um dia, foi lá comigo, mas se recusou a jogar junto com eles. Ficou de fora olhando o jogo e eu pude ver muitas vezes ele não conseguir conter as risadas, durante as famosas comemorações. Em outros momentos ele se surpreendia aplaudindo uma jogada e aí olhava em volta e tornava a ficar quieto. O cara ficou um tempão assistindo a partida, se divertiu com os meus amigos bibas, mas não quis jogar de jeito nenhum. Paulista é cheio de problema!