quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

O Jogo de Basquete


Relativamente mais tranquilo do que o Maracanã, o ginásio do Tijuca Tênis Clube parecia uma ótima alternativa para torcer pelo Flamengo naquela noite de quinta-feira. Eu estava no Rio, tinha ido a uma reunião de trabalho, e meu filho Deco topou de pronto, até porque ele mora na rua do Tijuca e era só descer até a entrada do clube.
Assim, com toda a calma da antecedência, entramos no ginásio com as cadeiras ainda vazias e pudemos pôr a conversa em dia, típico do pai que mora longe do filho. Quando notamos, a arquibancada em volta da gente já estava tomada e a torcida do Flamengo já era grande, com tambores e bandeiras por toda a parte. Não lembro qual era o time adversário, mas sei que não era um grande, pois o Flamengo ocupava quase toda a arquibancada.
O jogo seguia bem, com o Flamengo na frente, quando uma parte da torcida começou a apupar um grupo que estava na lateral, um pouco mais abaixo da gente. Eram umas três meninas, adolescentes, que estavam vestidas com calças jeans e camisas do Botafogo. As vaias e os pedidos de tira-tira só aumentavam e a gente se entreolhava sem entender nada. Na verdade chegamos a comentar entre nós que era muita coragem delas vir ao ginásio com a camisa de um terceiro clube, mas que afinal não tinha nada demais nisso.
Enquanto isso elas falavam entre si, discutiam e gesticulavam como se buscassem decidir. Claro, o medo delas dava pra gente sentir de longe e eu mesmo já estava torcendo pra que elas tirassem logo pra não correr algum risco de serem agredidas. A ovação chegou ao máximo, até que elas tiraram as camisas do uniforme, ficando de blusas comuns. Tive a impressão de que uma das meninas inclusive chorou neste momento, quem sabe de medo pela imposição daquela torcida enorme, enfurecida, que agora gritava por ter vencido a contenda da camisa.
Certo é que chegou a hora do intervalo do jogo. Neste momento o locutor oficial anunciava que o campeonato feminino infanto-juvenil tinha chegado ao fim, na semana anterior, e que naquele intervalo do jogo a Federação do Rio de Janeiro faria a entrega das medalhas de melhores jogadoras do torneio. Seriam entregues as medalhas de melhor rebote, da cestinha do campeonato e da melhor jogadora do certame. E eram todas do Botafogo. Eram as meninas com as camisas do Botafogo.
As três então entraram na quadra e, no centro do tablado montado para as homenagens, pararam e vestiram novamente as camisas do time campeão, o Botafogo. Vestiram com humildade é certo, mas também com altivez e um orgulho enorme, como se buscassem olhar para cada rosto que estava naquela arquibancada. A torcida ainda atônita, e um tanto envergonhada, começou a aplaudir, primeiro timidamente e, a seguir, eufórica, aos gritos de é campeão.
Elas pegaram as suas medalhas, deram a volta olímpica e mostraram o troféu para a torcida. Os próprios jogadores dos dois times que estavam a caminho dos vestiários retornaram à quadra e se integraram aos aplausos, como se o esporte naquele momento pedisse deles, atletas, o apoio e a reverência ao tão mal tratado espírito esportivo.
A emoção tomou conta de todos ali naquele ginásio. Tive a impressão de que uma das meninas inclusive chorou junto comigo naquele momento. Eu e meu filho não chegamos a entender direito a razão daquelas vaias, mas num certo momento eu fiquei com vergonha de fazer parte daquela torcida.
Em poucos minutos o jogo recomeçou e tudo foi voltando ao normal. Quer dizer, nem tanto. A torcida que vaiou agora acolhia as meninas que voltavam aos seus lugares com as suas orgulhosas camisas do Botafogo, bem no meio da arquibancada do Flamengo. Alguns torcedores tiravam fotos com elas e as suas medalhas eram estendidas para os que queriam ver de perto. Não houve mais apupos, nem vaias, talvez tenha sobrado uma lição inesquecível para quem estava no Tijuca naquela noite, mas nada demais.
E, apesar de tudo, Deco e eu voltamos a ser flamenguistas novamente.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Medo de Avião



O menino e seu pai estavam ansiosos por entrar naquele avião. Ao que parecia, estavam saindo de férias juntos. Como acontece nessas ocasiões, a gente não pode sair perguntando diretamente e por isso somos levados a imaginar as situações, de modo a fazer algum sentido para nós.
Era o que acontecia, e não só comigo, mas com todos dentro daquele avião. Os dois estavam alegres, animados pela viagem e chamavam atenção pelo jeito amistoso e agradável, que mais pareciam dois amigos do que pai e filho. 
As perguntas eram muitas e o pai tentava explicar o funcionamento de um avião, as asas e a turbina, entre outras coisas. O menino, por sua vez, dizia que sabia que o piloto tinha um microfone lá dentro da cabine, pois a mãe já tinha contado, e ele falava de lá com os passageiros pra dizer se o tempo estava bom.
A conversa foi acalmando junto com a ansiedade, o menino pegou umas balas que o comissário ofereceu e a decolagem se aproximava normalmente, o que ocorreu dali a poucos minutos. Foi bacana ver pai e filho se entreolhando enquanto a turbina forçava os dois pra dentro do encosto da poltrona, uma sensação divertida e repartida entre os dois.
Já com o voo estabilizado, quando o avião se apruma depois da decolagem, o menino perguntou ao pai:
- Pai, este avião vai cair?
Um silêncio. O pai olhou em volta por cima das poltronas, sua fisionomia ficou séria como nunca e ele respondeu com toda a calma, olhando bem nos olhos do menino:
- Não, filho. Este avião não vai cair. Não vai.
A senhora que estava do meu lado de imediato me cutucou dizendo que as crianças sentem essas coisas, que elas têm uma sensibilidade maior. Eu disse um hã-hã puramente automático, tentando perceber o que estava rolando e notei que estavam todos intrigados com a pergunta do guri.
Dali a pouco a mulher voltou à carga, dizendo algo que eu não ouvi direito, mas que fez uma outra mulher, do banco de trás, botar o rosto no meio das nossas poltronas e dizer que ela lamentava que tinha um casal ao seu lado que estava em lua de mel e que ela não sentia pesar por ela não, mas sim pelo casal, que tinha uma vida inteira pela frente.
Como assim, elas já estavam dando como certa a queda do avião? – pensei.
Eu olhava de vez em quando pro menino e ficava tentando perceber se ele tinha cara de criança sensitiva, algum sinal, e se ele tinha mesmo poder pra saber se o avião iria cair, vai saber...
O voo foi bem tranquilo e sem problema algum, apesar de as pessoas ali perto do menino terem feito uma viagem horrível, com medo, com receio e a certeza de que algo estava fadado ao desastre aéreo. Eu não era dos mais pessimistas, mas cada vez que eu cruzava o olhar com algum outro passageiro e via na cara dele estampada a incerteza pela premonição do moleque, ficava ainda mais agastado.
Então o comandante avisou que a aterrissagem estava autorizada e o avião pousou leve como uma garça. Taxiou, encostou naquela cobrinha e abriu as portas. Na minha frente, na fila pra sair estavam o pai e o menino, que até então ninguém sabia se tinha mesmo poder ou se era apenas uma criança comum, que falava coisas sem sentido pra deixar a gente nervoso, só de sacanagem.
Aí quando ele passou pelo comissário que estava na frente da cabine ele disse:
- Moço, eu podia querer uma outra bala daquela?
- Claro, vou pegar pra vc – disse o rapaz, se virando pro armário e enchendo uma das mãos para o menino.
Eu passei na frente deles e fui saindo. Mais à frente um passageiro vestindo uma camisa com a cara do Seu Madruga disse pra mim, balançando a cabeça:
- Gurizinho safado, né? Você ouviu ele pedir bala? Bah, deviam é jogar ele dentro de uma barrica e rolar por aí pra ele parar de falar besteira. Pô, e logo dentro do avião? Eu nunca mais me sento perto de criança, pelamordedeus!
A dúvida acabou na hora: Era uma criança normal!
Mas se tivesse uma barrica ali por perto...