Relativamente mais tranquilo do
que o Maracanã, o ginásio do Tijuca Tênis Clube parecia uma ótima alternativa
para torcer pelo Flamengo naquela noite de quinta-feira. Eu estava no Rio,
tinha ido a uma reunião de trabalho, e meu filho Deco topou de pronto, até
porque ele mora na rua do Tijuca e era só descer até a entrada do clube.
Assim,
com toda a calma da antecedência, entramos no ginásio com as cadeiras ainda
vazias e pudemos pôr a conversa em dia, típico do pai que mora longe do filho.
Quando notamos, a arquibancada em volta da gente já estava tomada e a torcida
do Flamengo já era grande, com tambores e bandeiras por toda a parte. Não lembro
qual era o time adversário, mas sei que não era um grande, pois o Flamengo
ocupava quase toda a arquibancada.
O jogo seguia bem, com o Flamengo na frente,
quando uma parte da torcida começou a apupar um grupo que estava na lateral, um
pouco mais abaixo da gente. Eram umas três meninas, adolescentes, que estavam
vestidas com calças jeans e camisas do Botafogo. As vaias e os pedidos de
tira-tira só aumentavam e a gente se entreolhava sem entender nada. Na verdade
chegamos a comentar entre nós que era muita coragem delas vir ao ginásio com a
camisa de um terceiro clube, mas que afinal não tinha nada demais nisso.
Enquanto
isso elas falavam entre si, discutiam e gesticulavam como se buscassem decidir.
Claro, o medo delas dava pra gente sentir de longe e eu mesmo já estava
torcendo pra que elas tirassem logo pra não correr algum risco de serem
agredidas. A ovação chegou ao máximo, até que elas tiraram as camisas do
uniforme, ficando de blusas comuns. Tive a impressão de que uma das meninas
inclusive chorou neste momento, quem sabe de medo pela imposição daquela
torcida enorme, enfurecida, que agora gritava por ter vencido a contenda da
camisa.
Certo é que chegou a hora do intervalo do jogo. Neste momento o locutor
oficial anunciava que o campeonato feminino infanto-juvenil tinha chegado ao
fim, na semana anterior, e que naquele intervalo do jogo a Federação do Rio de
Janeiro faria a entrega das medalhas de melhores
jogadoras do torneio. Seriam entregues as medalhas de melhor rebote, da
cestinha do campeonato e da melhor jogadora do certame. E eram todas do
Botafogo. Eram as meninas com as camisas do Botafogo.
As
três então entraram na quadra e, no centro do tablado montado para as homenagens,
pararam e vestiram novamente as camisas do time campeão, o Botafogo. Vestiram
com humildade é certo, mas também com altivez e um orgulho enorme, como se
buscassem olhar para cada rosto que estava naquela arquibancada. A torcida
ainda atônita, e um tanto envergonhada, começou a aplaudir, primeiro
timidamente e, a seguir, eufórica, aos gritos de é campeão.
Elas pegaram as suas
medalhas, deram a volta olímpica e mostraram o troféu para a torcida. Os
próprios jogadores dos dois times que estavam a caminho dos vestiários
retornaram à quadra e se integraram aos aplausos, como se o esporte naquele
momento pedisse deles, atletas, o apoio e a reverência ao tão mal tratado
espírito esportivo.
A
emoção tomou conta de todos ali naquele ginásio. Tive a impressão de que uma
das meninas inclusive chorou junto comigo naquele momento. Eu e meu filho não
chegamos a entender direito a razão daquelas vaias, mas num certo momento eu
fiquei com vergonha de fazer parte daquela torcida.
Em
poucos minutos o jogo recomeçou e tudo foi voltando ao normal. Quer dizer, nem
tanto. A torcida que vaiou agora acolhia as meninas que voltavam aos seus
lugares com as suas orgulhosas camisas do Botafogo, bem no meio da arquibancada
do Flamengo. Alguns torcedores tiravam fotos com elas e as suas medalhas eram
estendidas para os que queriam ver de perto. Não houve mais apupos, nem vaias,
talvez tenha sobrado uma lição inesquecível para quem estava no Tijuca naquela
noite, mas nada demais.
E, apesar de tudo, Deco e eu voltamos a ser
flamenguistas novamente.