terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Medo de Avião



O menino e seu pai estavam ansiosos por entrar naquele avião. Ao que parecia, estavam saindo de férias juntos. Como acontece nessas ocasiões, a gente não pode sair perguntando diretamente e por isso somos levados a imaginar as situações, de modo a fazer algum sentido para nós.
Era o que acontecia, e não só comigo, mas com todos dentro daquele avião. Os dois estavam alegres, animados pela viagem e chamavam atenção pelo jeito amistoso e agradável, que mais pareciam dois amigos do que pai e filho. 
As perguntas eram muitas e o pai tentava explicar o funcionamento de um avião, as asas e a turbina, entre outras coisas. O menino, por sua vez, dizia que sabia que o piloto tinha um microfone lá dentro da cabine, pois a mãe já tinha contado, e ele falava de lá com os passageiros pra dizer se o tempo estava bom.
A conversa foi acalmando junto com a ansiedade, o menino pegou umas balas que o comissário ofereceu e a decolagem se aproximava normalmente, o que ocorreu dali a poucos minutos. Foi bacana ver pai e filho se entreolhando enquanto a turbina forçava os dois pra dentro do encosto da poltrona, uma sensação divertida e repartida entre os dois.
Já com o voo estabilizado, quando o avião se apruma depois da decolagem, o menino perguntou ao pai:
- Pai, este avião vai cair?
Um silêncio. O pai olhou em volta por cima das poltronas, sua fisionomia ficou séria como nunca e ele respondeu com toda a calma, olhando bem nos olhos do menino:
- Não, filho. Este avião não vai cair. Não vai.
A senhora que estava do meu lado de imediato me cutucou dizendo que as crianças sentem essas coisas, que elas têm uma sensibilidade maior. Eu disse um hã-hã puramente automático, tentando perceber o que estava rolando e notei que estavam todos intrigados com a pergunta do guri.
Dali a pouco a mulher voltou à carga, dizendo algo que eu não ouvi direito, mas que fez uma outra mulher, do banco de trás, botar o rosto no meio das nossas poltronas e dizer que ela lamentava que tinha um casal ao seu lado que estava em lua de mel e que ela não sentia pesar por ela não, mas sim pelo casal, que tinha uma vida inteira pela frente.
Como assim, elas já estavam dando como certa a queda do avião? – pensei.
Eu olhava de vez em quando pro menino e ficava tentando perceber se ele tinha cara de criança sensitiva, algum sinal, e se ele tinha mesmo poder pra saber se o avião iria cair, vai saber...
O voo foi bem tranquilo e sem problema algum, apesar de as pessoas ali perto do menino terem feito uma viagem horrível, com medo, com receio e a certeza de que algo estava fadado ao desastre aéreo. Eu não era dos mais pessimistas, mas cada vez que eu cruzava o olhar com algum outro passageiro e via na cara dele estampada a incerteza pela premonição do moleque, ficava ainda mais agastado.
Então o comandante avisou que a aterrissagem estava autorizada e o avião pousou leve como uma garça. Taxiou, encostou naquela cobrinha e abriu as portas. Na minha frente, na fila pra sair estavam o pai e o menino, que até então ninguém sabia se tinha mesmo poder ou se era apenas uma criança comum, que falava coisas sem sentido pra deixar a gente nervoso, só de sacanagem.
Aí quando ele passou pelo comissário que estava na frente da cabine ele disse:
- Moço, eu podia querer uma outra bala daquela?
- Claro, vou pegar pra vc – disse o rapaz, se virando pro armário e enchendo uma das mãos para o menino.
Eu passei na frente deles e fui saindo. Mais à frente um passageiro vestindo uma camisa com a cara do Seu Madruga disse pra mim, balançando a cabeça:
- Gurizinho safado, né? Você ouviu ele pedir bala? Bah, deviam é jogar ele dentro de uma barrica e rolar por aí pra ele parar de falar besteira. Pô, e logo dentro do avião? Eu nunca mais me sento perto de criança, pelamordedeus!
A dúvida acabou na hora: Era uma criança normal!
Mas se tivesse uma barrica ali por perto...