Uma
história que eu tenho, de certa maneira, evitado parar para contar foi essa que
me aconteceu no final do ano passado, quando eu estava no Rio de Janeiro,
dentro de um mercado. Era um comércio bem simples, um supermercado, sim, dentro
das devidas proporções, mas um mercado de bairro, muito comum naquelas áreas
igualmente simples da cidade.
Eu
estava na fila do caixa com uns refrigerantes e mais adiante, uns três clientes
à minha frente, havia uma mulher com sua filha, que devia ter uns 10 anos
aproximadamente. Quando chegaram ao caixa mãe e filha cuidavam de tirar do
carrinho as compras para serem registradas, cada uma pegando um produto e
colocando no balcão. Foi então que eu pude ver que desde o início a menina
trazia nas mãos um pacote de biscoito recheado, de chocolate, aqueles cujas embalagens são cheias de detalhes e que trazem fotos mostrando justamente o recheio.
Indecisa
sobre a hora certa de colocar o biscoito no balcão, a menina olhava pra mãe,
como que perguntando quando podia passar o pacote. A mãe por sua vez fazia
sinal com a mão, como se pedisse calma, indicando um “ainda não” sem qualquer
palavra, apenas com os olhos. A menina então tornava a pegar os outros produtos
do carrinho.
A
essa altura a moça do caixa percebeu o mesmo que eu: que a mãe iria passar as
compras e, se sobrasse dinheiro, aí sim, levaria o biscoito para a filha.
Apreensivos eu e ela, mais ela que estava de frente para aquela maldita
máquina, inflexível, que só aumentava os valores das compras, nós nos olhávamos
de tempos em tempos considerando telepaticamente que do jeito que ia aquela
registradora a menina ia acabar ficando sem o seu biscoito.
A
mãe, por sua vez, concentrada nos números do painel e no dinheiro, pois que
sabia exatamente a quantidade que trazia, conferia a sua lista escrita em um
pedaço de papel, o que só aumentava o suspense e a nossa ansiedade. De repente
ela fez um sinal para a filha e a menina, toda contente, entregou o biscoito
recheado para a moça do caixa. Imediatamente a caixa registrou e devolveu o
pacote pra menina, isso não sem antes me olhar e eu vi que ela também mostrava
um sorriso aliviado, ao qual eu retribuí integralmente.
Atrás
de mim, um senhor disse para alguém na fila que estava decidido a pagar ele
mesmo o biscoito da menina caso a mãe não tivesse dinheiro. E então eu percebi
que todos nós estávamos ali paralisados, torcendo pela menina que só queria o
seu biscoito recheado. Para nós, naqueles longos minutos recentes, parecia que
todo o som em volta era apenas ruídos difusos e que as pessoas dentro daquele
mercado eram meros figurantes da vida.
A
vida mesmo, de verdade, eram aqueles olhos. Os da mãe e da filha, uma relação
de amor que eu jamais conseguiria explicar. A vida em volta da gente, ali, era um
pequeno milagre que poderia ou não acontecer, como tantos que são vividos por
tantas meninas e meninos, em tantos outros supermercados neste mundo e que se
torna milagre justamente por raramente acontecer.
Então,
quando chegou a minha vez, a moça do caixa se apressou em dizer:
-
Eu vi que o senhor estava aflito ali. Eu sei bem o que é isso. Eu sei o que é
ter menino em casa. Eu tenho três. Aposto que o senhor tem menino em casa
também.
Eu
queria responder. Queria contar umas coisas para ela, talvez a minha vida toda
até chegar ao dia em que aquele diálogo começou, na fila do supermercado. Mas eu só consegui sorrir de novo, peguei o meu troco e saí.
No
caminho até a casa da minha mãe eu me lembrava do rosto da menina do biscoito. Da
sua resignação enquanto esperava o veredito da mãe. Foi então que eu lembrei
da minha infância, dos biscoitos que eu dividia com o meu irmão, e eles nem
eram recheados! Depois pensei na minha mãe, nos biscoitos que ela me deu a vida
toda, sem deixar eu perceber a dificuldade que devia ser para ela dizer o seu
maravilhoso sim para mim. Eu andava para casa e novamente a menina alegre me
sorria. Linda e feliz com o seu pacote de biscoito.
Se
cada coração é uma casa, sim, eu tenho menino em casa. E são dois. É o que eu
respondo agora.