domingo, 9 de março de 2014

Tony



Um dos caras mais legais que eu conheci na Bahia foi o Tony. Assim que eu cheguei a Salvador ele foi logo dizendo que adorava o Rio de Janeiro e que mesmo sem ter jamais ido lá, aquela era a sua cidade favorita.
Ele gostava muito de ouvir o sotaque carioca e, de vez em quando, entrava na minha sala no meio do expediente, do nada, parava do lado da minha mesa e simplesmente dizia:
- E aí carioca, fala alguma coisa aí pra eu ouvir.
- Como assim, falar o quê?
- Nossa, esse sotaque de vocês é muito massa.  Tá vendo só? É muito legal – e ia de volta pra sua sala, todo feliz.
- Quem tem sotaque são vocês, baianos – dizia eu, enquanto ele ia pelo corredor.
A gente trabalhava na mesma empresa e ele era do RH. Na verdade, naquele tempo era Departamento Pessoal, que depois as empresas passaram a chamar de Recursos Humanos e hoje virou Gestão de Pessoas, mesmo que a gente seja tratado cada vez menos como pessoas e cada vez mais como números. Algum administrador recém-formado, na certa, decidiu que bastava mudar o nome das coisas, das seções, para que elas funcionassem como deviam.
Enfim, falta ainda dizer que o Tony era, como todo bom baiano, batizado como Antônio Carlos, em homenagem àquele que foi o político mais escroque e malvado da Bahia e que, mesmo assim, tinha um monte de gente que gostava dele. Vai entender!
Mas como eu ia dizendo, lembro de várias vezes o Tony entrar na minha sala só pra papear e ficar rindo do jeito que eu falava. Uma tarde ele entrou lá com um amigo. Me apresentou e emendou logo em seguida, apontando pra mim:
- Esse é o carioca que eu te falei.
- Fala alguma coisa aí, carioca, pra ele ver.
Eu ficava sem jeito e começava a falar qualquer coisa que me vinha à cabeça, enquanto ele brincava com o meu sotaque.
Nessas de ele sempre se divertir às minhas custas, uma vez eu estava falando no telefone com um amigo, também carioca, e falei que ele era um boiola. Pronto, assim que eu terminei a ligação ele disse que aquela era uma palavra maneira e que ele não conhecia. E perguntou o que queria dizer boiola, pois devia ser uma gíria do Rio que ele gostou muito e queria usar também.
- Boiola é quando o cara é assim muito legal, um cara gente boa, parceiro mesmo – disse eu, tirando o sarro tão esperado, tipo um troco por tudo que ele fazia comigo.
Uma semana se passou e um certo dia eu estava dentro do Banco do Brasil, acho eu que ia pagar alguma conta. No segundo andar da agência ficavam os terminais de extrato e no térreo os caixas. Ligando os dois pisos uma imensa escada rolante, fazendo com que a agência mais parecesse um shopping.
Tirei o meu extrato e quando eu estava descendo a escada o Tony, lá embaixo, da fila do caixa, me avistou. Bem, ele não só me viu como fez a sua saudação a plenos pulmões, pra toda a agência ouvir.
- Fala amigo Anderson, grande boiola. O carioca mais boiola daquela cidade maravilhosa. Entra aqui na minha frente, meu rei.
Eu só me lembro que toda a agência parou e se virou pra mim, pra ver quem era o tal boiola famoso. E além de rir de mim mesmo, na minha cabeça eu só pensava em quantas pessoas ali naquele banco sabiam o significado da palavra boiola e como estariam me olhando naquele exato momento.
Até chegar lá perto dele, fui pensando que, no fundo, eu sabia que uma hora aquela história não ia dar certo. Só não imaginava que o feitiço se viraria justamente contra mim.  Grande Tony.


Para o meu amigo Noronha - que também é Antônio - que gosta muito desta história, e que poderia também ser Tony.