Certo jornal do
Rio de Janeiro promoveu, pelos idos de 1973, um torneio de futebol de salão
entre os bairros da cidade. Era uma promoção dos encartes regionais que o jornal
havia criado recentemente, tipo caderno zona sul, baixada fluminense etc, e
qualquer time poderia participar, desde que não tivesse na sua relação de
atletas qualquer jogador federado ou em fase de profissionalização.
A cidade
só falava nisso e eu, com cerca de 12 anos, estava eufórico pra assistir aos
jogos, ainda mais que o pessoal da minha rua estava pra lá de animado. Lembro
que se reuniram um dia lá na porta da minha casa para listar quem seria
convocado, quem ia inscrever o time, quem ia ver a questão dos uniformes, pedir
apoio financeiro na padaria ou no barzinho da esquina e batizar o time, entre
outras coisas.
Eu
conhecia todos os craques da rua. Não jogava junto com eles porque era muito
pequeno, mas quando tinha jogo deles, ali na rua mesmo, eu ficava só olhando
sentado em cima do muro. Nós, os meninos mais novos, só jogávamos entre nós e
alguns que se destacavam, como prêmio, passavam a jogar com os adultos nas
peladas dos finais de semana, que era tipo o jogo principal.
Depois
de o grupo definido convidaram o meu pai pra ser o técnico e eu gostei
porque, sendo ele obrigado a ir aos jogos eu também não perderia nenhum. Na
verdade eu admirava mesmo aqueles boleiros e ainda hoje sou capaz de lembrar
algumas jogadas deles, do tipo físico de muitos e até da maneira de jogar de
alguns. Para mim era um timaço e seria difícil aparecer um outro tão bom quanto
aquele.
O
torneio então foi amplamente divulgado e como eram muitos times inscritos o
jornal reservou com a prefeitura todas as quadras do Aterro do Flamengo, que
são muitas, para receber as partidas iniciais do certame, que
eram eliminatórias.
O
nosso time foi sorteado pra enfrentar o Senador Camará, que representava aquele
bairro da zona oeste do Rio de Janeiro. Considerada uma área violenta, vizinha
de Bangu e Realengo, era um local que os cariocas chamariam de barra pesada.
Então, num sábado de manhã, eu estava lá no Aterro junto com alguns vizinhos
para assistir ao jogão Ramos x Senador Camará, pela Copa dos Bairros.
Foi
emocionante ver o time todo uniformizado, se arrumando para o jogo. Aquelas
caras conhecidas lá da rua pareciam ainda mais com os craques que eu só via
pela televisão ali dentro de uma quadra, de uniforme completo, roupa de goleiro e
tudo, com bolas novinhas, juiz, trave com redes, praticamente um cenário
profissional.
Os
jogadores se cumprimentaram cordialmente e o jogo ia começar. O juiz reuniu
todos eles no centro da quadra pra dizer alguma coisa que eu não pude ouvir da
pequena arquibancada, mas certamente foi algo ponderado, pois todos voltaram a
se cumprimentar e tomar as suas posições.
Pelos
primeiros cinco minutos de jogo tudo levava a crer que íamos dar de goleada. Os
passes rápidos e precisos, a bola rodando ágil de pé em pé, as infiltrações, o
rodízio das posições faziam do adversário um mero espectador, já que eles só
podiam mesmo ver a bola, mas sem conseguir sequer tocar nela. Fechando este
primeiro espetáculo de pura perícia futebolística, Alfredo marcou o primeiro gol do
jogo, levando a realidade da goleada a ser apenas uma questão de tempo. Um
tempo que parecia que nada poderia mudar ou influenciar, tamanha era a
diferença de técnica e talento entre os dois times.
Dez
minutos e ainda um a zero. A marcação deles apertou um pouco, surgiram os
primeiros dribles, o técnico pediu garra e eles tomaram uma bola no meio da
quadra, partiram num dois-contra-um para o ataque e putz, marcaram o gol de
empate. Até aí nada, um gol de empate não ia abalar a nossa superioridade. Não
ia, a não ser pelos tiros para o alto que a torcida adversária passou a disparar
durante a comemoração.
Todos
nós ficamos paralisados. Parecia que tinham usado aquele efeito câmera lenta na
vida, sem som ambiente. A gente se viu ali, sem ação, vendo os tiros saindo das armas apontadas para o alto. Um olhava pro outro tentando entender, mas era tudo muito confuso. Foi enfim uma longa cena. Uma desconcertante cena, das mais sinistras.
Nosso
time foi eliminado naquele primeiro jogo, perdendo por 4 a 1. Nossa torcida não
deu mais um pio até o final e a gente perdeu todas as divididas, todas
as tabelinhas foram mal feitas, os passes se perderam pelas laterais da quadra e
o meu pai, ali técnico e pai, repetia apenas um “está bom”, meio sem jeito,
batendo palmas na beira da quadra e torcendo, assim como nós, pelo fim do jogo.
Na
volta pra casa a única certeza que a gente tinha era de que perder aquele jogo
foi a melhor coisa que podia nos acontecer. A gente olhava um pro outro,
procurando nos resignar, e rapidamente cuidamos de combinar uma grande e
verdadeira pelada para o dia seguinte, domingo, em frente à minha casa, que era
o nosso melhor parque de diversões e onde a gente só corria o risco de machucar
o dedão do pé nos paralelepípedos que teimavam em se desalinhar e em desafiar a
nossa habilidade com a bola no pé descalço.
Perdemos
aquele jogo, sim. Frustramos alguns sonhos, é verdade. Mas ficamos todos bem.