Convidado
para conhecer as instalações da fábrica de Pernambuco, mais precisamente na
cidade de Pesqueira, parti para Recife sem suspeitar da aventura que me
esperava. O ano era 1993 e eu trabalhava numa holding que era dona da marca
Peixe. Me aguardava no aeroporto um carro da empresa pra me levar até
Pesqueira, umas 4 horas distante, incluindo os buracos e a pouca sinalização, típicos
das estradas do nordeste.
Paramos
pra almoçar em Caruaru, que eu não queria perder a chance de passar na famosa
cidade do Forró, mesmo que por poucos minutos. O motorista me levou a um pequeno
bar que servia quase tudo em matéria de comida da região e disse que era comum
ele parar ali. Pois ele foi logo pedindo um ovo cozido e um café preto e eu
pensei “que coisa doida: café preto e ovo? Que gosto estranho!”.
Eu
só ficava olhando o cara comendo o tal ovo com café. Aí, no meio do meu
delicioso sanduíche de linguiça, tostadinha, não aguentei e tive de perguntar:
-
Por que você não comeu um sanduíche assim como o meu, de linguiça?
-
Imagina se eu vou comer essa linguiça, que a gente nem sabe como é feita, de
que bicho é essa carne aí. Eu não como isso não! As coisas por aqui não são
limpas, não – respondeu ele, com cara de nojo.
- E
você não me fala nada e me deixa pedir essa joça dessa linguiça? Por que não me
avisou, cacete? Você é daqui, tem que alertar a gente – preguei enfurecido.
-
Mas o senhor é o dotô e, depois, podia se zangar comigo.
Todo
o resto da viagem eu não dei um pio sequer. Enquanto ele dirigia, eu só pensava
naquele sanduíche e que eu tinha arriscado a minha vida, no meio de Caruaru.
Enfim
chegamos ao nosso destino, a tal casa histórica e famosa do casal não menos famoso
Carlos de Brito e sua senhora Maria da Conceição de Brito, fundadores em 1888 da
Indústria Alimentícia Carlos de Brito S.A., que depois viria a ser a Peixe. Eles
viveram bem ali, naquela casa linda com uma varanda bem típica, no final do
século 19.
Mantida
do jeitinho da época dos donos, a casa era toda linda também por dentro, com tábuas
corridas, uma mesa enorme na sala e até uma cristaleira que vibrava quando a
gente andava por perto. Na cozinha, a dona Das Dores pilotava o fogão e atendia
o pessoal da empresa que vinha pousar ali. Fizemos um lanche por volta das 6 da
tarde e o motorista disse que mais tarde ia buscar outros funcionários da Peixe
que estavam chegando também. Quando ele saiu, a dona Das Dores me disse que ia
arrumar a cozinha e depois também ia embora. Alertou que tinha janta pronta na
cozinha e que de manhã voltaria pra fazer o café.
Cansado
da viagem eu fui logo dormir e de madrugada, por volta das 3 horas, os outros
funcionários chegaram. Eu estava morto ainda, com muita preguiça e pensei
comigo que não ia sair pra falar com ninguém, pois de manhã a gente tomaria
café juntos e eu daria uma desculpa qualquer.
Eu
ouvia os barulhos dos pratos e dos talheres, a cristaleira mexendo com os
passos, as vozes, e eu ali, quietinho fingindo que estava dormindo. Admito que
é muita falta de educação, eu pensava. Mas o meu sono falava mais alto e
definitivamente eu não sairia daquele quarto de jeito nenhum.
O
silêncio voltou, eu dormi novamente e logo de manhã eu saí do quarto pra fazer
as honras com os meus colegas. Fui falar com a Dona Das Dores que estava na
cozinha e a mesa já estava posta para o café.
-
Bom dia. E aí, sobrou muita sujeira do jantar aí na sua pia?
-
Nada, acabou que eles não vieram pra cá. Acho que foram pra algum hotel.
-
Quem?
-
Os outros dotôres. Não vieram dormir aqui não, o Marcos me avisou hoje de manhã.
Me disse que eles não gostam muito de ficar aqui nessa casa não.
Eu
já estava começando a procurar as palavras certas pra contar pra ela dos
barulhos que eu ouvi de noite na sala, aquelas vozes e as louças, quando o
Marcos entrou já falando alto:
- E
aí, dotô, os fantasmas do seu Carlos e da dona Maria vieram visitar o senhor de
noite? Sempre que tem gente dormindo aqui eles aparecem, comem e bebem e ficam
andando pela casa. Acho que eles fazem isso pra mostrar que eles ainda são os
donos desta casa.
-
Então o pessoal que ia chegar não veio pra cá, não?
-
Nada, eles morrem de medo de dormir aqui. Ninguém da diretoria dorme aqui não.
-
Ô, cara, e tu não me avisa nada? Me
deixa aqui sozinho com esses fantasmas, é?
-
Sabe como é dotô, se eu falasse o senhor podia se zangar comigo! Aí eu fiquei
calado.
Depois
daquele dia eu também nunca mais dormi na casa do seu Carlos de Brito. Mas eu
lembro direitinho dos sons que eu ouvi na sala e dou graças a Deus por não ter
sido educado o suficiente pra sair do quarto naquela noite.
No link abaixo tem uma foto da linda casa do senhor Carlos de Brito.