Deus perdeu, neste fim de semana,
uma boa chance de dar um basta na Terra. Se eu sou imagem e semelhança do
Criador, me acho no direito de dar-lhe uns bons conselhos, ao menos nessa hora
de profunda amargura por que passo. Não porque me ache capaz de tal acinte, mas
porque gostaria de dizer, cara a cara com Ele, que apesar da imagem e
semelhança, sentenciada na Bíblia, nós homens, não temos o discernimento nem a
sabedoria para entender alguns de seus atos.
Como entender o fato de fazer
desaparecer o nosso Ayrton, homem cheio de promessas e glórias já conquistadas,
em pleno êxito de sua carreira? Como
crer que isso não foi uma punição entre tantas injustas, impostas ao já tão
sofrido povo do Brasil? Um cara que só
fez distribuir bondade e exemplo pra todos nós, Ayrton é autor de sublimes
fatos marcados pela pura simplicidade, e por isso mesmo nos tocou a todos que
tivemos o privilégio de viver na Terra na mesma época em que ele. Senna, certa
vez, encontrando na França uma revista com uma reportagem sua, onde havia uma
foto de seu caseiro, trouxe a revista para o empregado, como um presente sem
valor comercial, daqueles que só os amigos se dão.
Deus perdeu, neste fim de semana,
uma boa chance de dar um basta na Terra.
Minha tristeza há de ser, nessa hora, o meu perdão salvador.
Deus poderia, no último instante
da constatação da morte do nosso piloto, salvá-lo. Sim, simplesmente salvá-lo,
bem à frente dos olhos dos incrédulos especialistas italianos e de todo o mundo
que lamentava o acidente. De repente, o paciente recobraria os sentidos e
inexplicavelmente, recomeçaria a viver. Daí em diante Ele próprio, Deus em
pessoa, surgiria aos olhos de todos e diria que aquilo era um momento de reflexão
para o mundo todo. Diria tudo que está engasgado na sua garganta há muitos
séculos: Que a humanidade precisa
recomeçar a ser humana; que Ele não é posse de nenhuma religião, pois nenhuma
delas, nem a que não acredita na vinda de Seu Filho, nem a que aguarda ansiosa o seu retorno,
nenhuma é a dona da verdade. E que muito menos Jesus, Maomé, Buda, Ghandi,
Bahau La e Jeová são causa para que estas crenças fomentem guerras e se matem
por isso. Basta de tanta ignorância, diria Ele!!!
O Deus de todos, abençoando a
Terra, lembraria que os homens estão aqui justamente para fazer o contrário do
que estão se acostumando a fazer e que a escala evolutiva humana não passa pelo
ódio, a matança, o racismo. A graça de Deus é a vida, completaria, olhando nos
nossos olhos.
O mundo estarrecido, vendo Senna
revivo ao lado do Criador, se recolheria e, tal como um pano que cai
desvendando um enorme espelho, se veria face a face com sua individualidade, a
qual enfim, fraternalmente chocada, olho no olho da imagem refletida, pediria
com os olhos cheios, desculpas pela vergonha de estar desnuda de racionalidade
e, diante do Deus, Pai enfim, pediria uma nova chance de tentar ser humana
novamente.
Deus, por fim, acalmaria os
médicos, ainda incrédulos, estenderia a mão e diria com sabedoria para que
Ayrton ficasse em Paz. E se ia, desaparecendo numa nuvem.
Eu acordei, hoje cedo, nesta
segunda-feira inacreditável, com vontade de chamar Deus para uma conversa. Queria
que hoje fosse novamente domingo, o domingo de ontem. Um primeiro de maio sem
acidentes, sem corrida, sem lágrimas... Ou então que Deus ouvisse esta minha
oração meio sem jeito, meio sem rima, que deseja um basta, e que pede vida para
o mundo, para Senna e para mim, que já nem sei mais chorar direito.
Deus perdeu, neste fim de semana,
uma boa chance de dar um basta na Terra. E como perdeu...