Quando
eu cheguei em casa com o meu pedal para violão e o adaptador novo e ele não
funcionou eu pensei: pronto, o que queimou então foi o pedal mesmo e não o conversor
elétrico, como eu achava. Já estava medindo e prevendo o prejuízo e lembrei de,
como último recurso, levar em uma loja de consertos elétricos pra ver se o
técnico me dava alguma solução que não fosse comprar outro pedal, um tanto caro
em relação ao adaptador, até então onde eu achava que estava o defeito.
Estranhei
logo de cara quando entrei na loja e vi uma senhorinha, cabelos branquinhos, com
alguns tons de azuis até, óculos de leitura e muita delicadeza, atendendo no
balcão, usando aqueles medidores de voltagem e analisando um aparelho de um
cliente. De longe eu fiquei quieto esperando pela chegada do dono, que eu já
conhecia e sabia da competência.
- O
seu Édison? – perguntou a senhora de cabeça baixa, sem tirar os olhos do
voltímetro.
- Ô
menino, estou falando com você – era comigo.
E
emendou:
-
Tá esperando o seu Édison? Ele não vem hoje de manhã não. Posso te ajudar?
Do
alto do meu preconceito eu dei uma gaguejada, notadamente contrariado por ser ela
a me atender, e disse que era o meu adaptador do pedal, que devia estar
queimado e que eu queria verificar com o seu Édison.
Na
verdade eu achava que aquela senhora devia estar ali na loja, durante a
ausência do técnico, somente para pegar os serviços e repassar pra ele. Por mim
ela não tinha a menor capacidade, nem conhecimento para fazer qualquer serviço
elétrico, mesmo os mais simples.
Ela,
então, foi bem direta:
-
Espere um pouco que eu vejo isso pra você.
Eu
já estava pensando em uma desculpa qualquer pra voltar em outro horário, pra
falar com o próprio seu Édison, mas ela acabou o outro serviço e me chamou ao
balcão.
- O
que é isso aqui? – perguntou olhando o material que eu trazia.
- É
um pedal de efeitos sonoros pra violão. Ele faz uns timbres diferentes e muda o
som do instrumento. Esse aqui é o adaptador de corrente, pra 12 volts. Mas nada
funciona. O antigo partiu o fio e eu comprei esse novo aqui, mas não liga nada,
fica tudo apagado.
Ela
pegou, virou, mexeu na peça, conferiu alguma coisa no voltímetro e disse:
- Ãhã...
muito bem... Foi você que comprou esse novo?
-
Sim, fui eu, ali na galeria. É da mesma marca e é igualzinho ao antigo. Tem
algo errado? – disse de má vontade.
-
Você comprou errado. O polo positivo deste aqui é invertido do seu pedal. Esse
conector é negativo fora e positivo por dentro. E devia ser positivo fora e
negativo dentro. Entendeu? Eu vou pegar um aqui do estoque e te mostrar.
Ela
foi na prateleira, pegou uma caixinha, com agilidade tirou o adaptador de
dentro, veio ao balcão, ligou o meu pedal e então ficou ali, olhando firme pra
minha cara.
-
Tá vendo? Ligou. Não tem nada queimado aqui. Nem o pedal, nem o adaptador. Você
só comprou o tipo errado e não viu que os polos eram trocados. Isso acontece
muito.
Diante
da educada explicação da senhora eu vi o quanto preconceituoso eu estava sendo.
Era uma bela de uma lição que eu estava tomando e eu, meio atônito, passei a julgar o meu próprio comportamento como reprovável e até um sentimento de
vergonha me veio de repente.
Mas
ainda tinha o gran finale.
-
Quanto o moço pagou neste seu adaptador?
Um
tanto confuso com a pergunta eu respondi:
- Acho
que foi 35 Reais.
-
Esse que eu vendo custa 40. Mas faz o seguinte, eu fico com o seu e você leva
esse meu, e fica tudo certo. Eu acabei de tirar da caixa. É novinho assim como
o seu, pode ficar tranquilo.
Eu
tentei pagar os cinco reais da diferença, mas eu realmente não tinha argumento
bastante, diante da negação daquela competente senhora em aceitar. O que me
coube então foi somente agradecer, guardar bem tudo o que aconteceu ali e
aprender mais esta. As lições estão por aí, na nossa vida, aos montes. É que
muitas vezes a gente não percebe o quanto elas são ricas. E inesquecíveis.