Sabe
aquelas narrativas em que o autor adverte que mudou os nomes das pessoas ou que
a sua história não tem nada a ver com a realidade, ressalvando as meras
coincidências que, porventura, possam vir a acontecer? Pois bem, no caso deste relato, que não vem a ser
uma obra de ficção, já que é tudo verdade, eu optei
por omitir os nomes das pessoas e da cidade, de modo a não comprometer ninguém.
Dito isto, vamos a ele. Estava eu indo a uma reunião de trabalho em uma cidade do interior de
Santa Catarina. O compromisso era no dia seguinte, bem cedo, e por isso fomos,
eu e meu chefe, no dia anterior de modo a amanhecermos dispostos e pontuais na
tal reunião.
Só
que chegamos à cidade de noite e era um período de eleições, sendo que naquela
noite celebrava-se o último dia de campanha política e era também a última
oportunidade para os famosos comícios de encerramento. Não sei se a maioria das pessoas sabe o
que significa um comício em uma cidade do interior, com poucos habitantes, onde
todos se conhecem etc. Mas enfim, naquela noite a cidade estava toda na rua,
cada eleitor no seu comício preferido, aplaudindo o seu candidato idem.
Lembro
que fui dormir bem tarde, pois os sons amplificados, tanto dos discursos como das músicas
dos artistas convidados – sim, havia artistas convidados –, nada disso
tinha um alcance pequeno, de modo que ecoavam por toda a praça central, onde
ficava o nosso hotel, os vários comícios espalhados pela cidade, principalmente os dos
dois candidatos principais: o atual prefeito e o seu opositor ferrenho de
muitos anos que alternava com ele o poder de tempos em tempos, coisa típica de
toda boa (ou ruim) cidade do interior.
Na
manhã seguinte o assunto na cidade, e na nossa reunião, foi o comício do atual prefeito,
que teve o seu encerramento antecipado por causa de um início de quebra-quebra bem antes do final. Nem mesmo a música dos cantores convidados deu jeito de restabelecer a paz.
O fato
foi que o atual prefeito chamou para o seu comício três convidados de peso. Eram
três figuras ilustres da cidade que deram bastante importância ao ato em si,
mas que nas palavras do amigo que nos contou o incidente tiveram, digamos, pouco tato nos
seus discursos.
Instado
pelas palavras do prefeito, que em seu pequeno currículo se vangloriava de ser
uma pessoa que veio de baixo, do povo, o primeiro convidado iniciou dizendo:
-
Boa noite pessoal. Eu queria dizer a todos que eu também já fui um merda, assim
como vocês – e apontou para o público.
Estupefatos
os políticos em redor e indignado o público presente, todos passaram a gritar
fora, fora, com xingamentos em franca expansão e volume, de modo que os
correligionários, cabos eleitorais e demais assessores ali, de prontidão, trataram
de retirar o cara do palco, não sem antes travar uma pequena batalha com o
mesmo para tirar-lhe o microfone das mãos.
O segundo
a falar, tomando o devido cuidado com as palavras, se mostrou eloquente e convincente.
Preciso nas construções frasais, o sujeito utilizava até os plurais no lugar
certo, coisa rara no mundo eleitoral do interior, conforme nos relatou o amigo
local. Então, no final, em grande estilo, relatando uma a uma as qualidades do atual
prefeito ele finalizou:
- É
por estas e outras, e por ser ele um candidato lídimo que eu peço o voto de
vocês ao nosso amigo fulano de tal – e disse o nome do candidato errado, da
oposição.
O
furdunço voltou então a se iniciar rapidamente. A galera das primeiras filas
começou a adjetivar a mãe do orador, o próprio prefeito correu pra lhe arrancar também o
microfone das mãos e surgiu um coro de vendido e filho-daquela, em pleno
comício.
Afastado
novamente pelos seguranças e assessores, em meio a um caminhão de desculpas
pela falha na troca do nome, o homem foi levado direto para o bar mais próximo,
de modo a esquecer o opróbrio de há pouco e que viria a acompanhá-lo ainda por
muito tempo.
Neste
ínterim já estava com a palavra o terceiro e último – ainda bem – convidado do
prefeito. Era um conhecido dono de restaurante da cidade. Um tanto nervoso ele
começou falando do início de carreira do prefeito, quando este começou na vida
pública, e relembrou as vezes em que ele próprio, ainda um simples garçom no mesmo
restaurante, servia as mesas e também muitas vezes serviu o candidato e atual
prefeito.
Nas
primeiras filas novamente começou um burburinho ameaçador, dando conta de que
aquilo era mentira dele, pois na verdade todos sabiam que ele servia as mesas, sim, mas o
restaurante era do seu pai. Então como dizer que começou de baixo daquela forma,
se o restaurante também era seu por direito?
No
meio da sua fala surgiu então o primeiro grito, de um velhinho:
-
Deixa de conversa fiada, seu tanso, você não era garçom nada, o restaurante era
do seu pai, ô istepô!
Ao
que ele prontamente respondeu:
-
Sua cambada de pobre do cara...o, vocês são todos uns fudi...s e ficam aqui
atrapalhando a fala da gente. Vão todos pro diabo que os carregue – e jogou o
microfone no chão com toda a sua força.
O
corre-corre se deu mais uma vez, e alguns puderam ver um início de briga na
plateia. Os cabos eleitorais por sua vez já não sabiam bem o que fazer e o
prefeito fez um sinal salvador pra banda começar logo com a música.
Foi
assim que se acabou a noite do último comício daquela cidade do interior. Vale dizer
ainda, não como anedota, mas como verdade verdadeira que, mesmo assim, o
prefeito foi reeleito. Não se sabe como ficou a amizade dele com os três
aliados ou ex, mas isso a gente pode deixar pra ver quando chegar a próxima
eleição. Aposto que todos estarão juntos novamente. Só não sei se haverá
microfone pra todos. Mas aí já é uma outra história.