Eram
dois irmãos. Um, artista plástico, pintor, e o outro, corretor de imóveis. Toda
vez que o corretor fechava um novo negócio presenteava o seu cliente com um quadro do irmão, o que ajudava a divulgar o trabalho dele e, enfim, era um
presente clássico, uma obra de arte, sempre bem recebida por quem quer que
fosse o agraciado.
Certa
vez um casal tradicional da cidade comprou com este corretor um apartamento em
uma área nobre, em um condomínio dos mais caros de Florianópolis, em plena Avenida
Beira-Mar Norte. Um dos metros quadrados mais valorizados da ilha, o negócio
merecia pois um grande presente, uma tela de grandes proporções, no mesmo nível
da comissão que a compra proporcionara ao corretor.
De
fato, o quadro destinado ao cliente era dos mais expressivos do irmão-artista,
uma tela cujos elogios foram tomando proporções de grande interesse a ponto de
o comprador pedir ao corretor que mostrasse outras obras do seu irmão de modo
que ele pudesse analisar uma possível compra de outras peças para o novo
apartamento, que estava já em fase de finalização das obras.
Pois
então, em data previamente agendada, o casal recebeu o próprio pintor no novíssimo
apartamento, quase todo decorado, que já contava com mobílias, cortinas,
além é claro de um lindo quadro na mais destacada parede da sala, o que sem
dúvida fez surgir um sentimento de lisonja no seu autor. No canto da sala, uma
enorme tevê de plasma, ainda uma novidade nos lares brasileiros, era instalada
pelo homem da operadora a cabo, que juntava os fios e se despedia do casal com
todas as formalidades que o serviço obrigava.
A
senhora levou o instalador até a porta e na volta, com notável elegância, se
postou ao lado do marido para tratar da negociação da compra dos quadros. Na
conversa, que já se iniciava, o pintor falava sobre a sua carreira, sobre o
irmão corretor que mencionou o interesse do casal sobre o seu trabalho, as suas
influências artísticas e também informava que trouxera com ele umas poucas
obras, três na verdade, e que poderiam ficar com eles para análise até
que a compra fosse efetivamente definida, não só em termos do preço de cada
obra, mas também quantas e quais seriam as escolhidas.
Os
quadros estavam acondicionados adequadamente para garantir a segurança no
transporte e os preços foram passados em uma pequena ficha técnica que também
ficaria com o casal, para a decisão de ambos quanto à compra.
Foi
então que no meio da conversa, do nada, o homem pegou o controle remoto da tevê
e passou a mostrar as qualidades e as funções tecnológicas do aparelho
recentemente instalado. Falou da possibilidade de gravação, da programação
remota, do som, da imagem espetacular e foi mudando os canais um depois do
outro, sem nem saber quantos eles eram ao todo.
De
repente, como se fossem coisas combinadas, o número sintonizado era um canal
pornográfico, o som ficou ainda mais alto e, tudo junto ao mesmo tempo, o controle
parou de funcionar, deixando aquelas imagens grotescas à vista do casal e do
artista que não sabia mais para onde olhar, o que fazer e o que dizer.
O
marido, morto de vergonha ao ver o desempenho do casal na tela enorme da tevê,
batia no controle remoto e olhava pra mulher, igualmente desesperada, já que o
som que vinha da cena era algo insano, animal mesmo, com gemidos e grunhidos e os
barulhos dos corpos em volúpia. Se tivesse ali um buraco no chão talvez todos
se jogassem juntos naquele mesmo instante.
Parado
o tempo, estáticos os três, nem se sabe direito qual dos dois donos da casa correu
até a tomada e puxou todos os fios juntos da parede abruptamente.
Mesmo
assim, o silêncio que se fez foi igualmente desconcertante. Um espesso
desconforto pressionava a todos naquela sala. O marido saiu para o corredor do
apartamento, calado. A esposa o seguiu de pronto, voltando poucos minutos
depois, sozinha, pra dizer ao pintor que aguardava:
- Meu
marido vai comprar todos os seus quadros. Nem é preciso abrir os pacotes. Nós
somamos o total e aqui está o cheque.
O
artista pegou o cheque, olhou pra ele, automático, sem sequer ler e saiu da
casa, ainda mais atônito. Só depois de muitos anos é que conseguiu contar a
verdade ao irmão, sobre como tinha sido “boa” aquela negociação.