Todas
as vezes que a corda da minha raquete de tênis arrebentou eu tinha alguém, um
amigo, mais experiente, que entendia do assunto pra levar e trocar pra mim. Eu
deixava a raquete com ele e depois ele me devolvia com tudo certinho e eu só pagava
o que ele tinha gasto. Uma beleza.
Só
que desta vez foi diferente. Eu me deparei com a obrigação de decidir qual a
corda que eu vou comprar, qual a ideal para o meu estilo de jogo (hein?), com
qual calibragem esta corda deve ser colocada em relação às características
construtivas da minha raquete e, por fim, qual os parâmetros de durabilidade
que eu vou querer que a minha corda tenha, considerando o tempo que eu vou
usá-la. Eu só sei é que, normalmente, minhas cordas duram muitos meses, ao
contrário dos jogadores top, que usam duas, três raquetes no mesmo jogo e
mandam encordoar, cada uma, novamente para o jogo seguinte.
Enfim,
eu estava num mato sem cachorro, sem raquete e sem corda. Foi então que eu
pensei que levando o problema a uma loja especializada eu pudesse ter uma ajuda
competente, à altura das minhas dúvidas que, naturalmente, eram muitas, ou
melhor, eram todas.
Na
loja, dois atendentes do setor de tênis vieram com a conversa de que eu já
deveria saber isso, pois quem joga tem de saber qual corda usa etc. E
disseram também que a pessoa certa pra me ajudar era a Camila, pois ela sim é
que sabe tudo e poderia me orientar. Mas ela ainda não estava na loja.
Durante
a pouca espera em que eu circulei pela loja pude ver de longe os dois vendedores
falando com uma menina que chegou. Como estava com o uniforme da loja presumi
que fosse a tal Camila e fui então ao encontro dela.
No
caminho juro que minha descrença só aumentava. Primeiro ao ver que era uma
menina, de uns vinte e poucos anos. Qual a experiência que ela teria? Depois, com
certo preconceito, notei que ela era baixinha e que não tinha a menor aparência
das jogadoras que a gente está acostumado a ver. Pra mim ela até poderia
conhecer os produtos que a loja vende, as marcas e tal, mas ela jamais saberia,
pela pouca idade que tem, dos meandros do jogo em si, os tipos de jogadores, as
variações em termos de raquete, corda e tal. Ela nunca deve ter sequer
empunhado uma raquete numa quadra, pensei comigo.
Assim
que a Camila começou a falar eu quis lhe pedir perdão. Diria a ela que fui
preconceituoso e pré julguei a sua aparência e idade. A menina era uma técnica,
uma sumidade em matéria de tênis. Logo de início ela pegou umas cordas da prateleira
e me mostrou uma a uma. Falava com total desenvoltura sobre como adequar a
corda e a raquete ao tipo de jogo de cada um.
Depois
ela abordou também os temas tensão das cordas, os componentes dos materiais e o
controle, a durabilidade e a potência, estabelecendo as relações entre cada um
deles, de modo que eu avaliasse as minhas preferências quanto a necessitar de
mais força ou mais controle da bola, se meus golpes eram longos ou curtos e se
eu preferia sacar mais forte ou mais colocado. Eu estava atônico e constrangido
ao mesmo tempo, sem capacidade para responder a maioria das perguntas dela.
Como
peladeiro de final de semana, o meu tênis não está à altura de uma especialista
como a Camila e, portanto, nem dez por cento do que ela me explicou eu iria
usar pra escolher a famigerada corda, sobre a qual eu nada sabia. Tanto que eu quis
procurar uma ajuda e agora vi que a ajuda era muito acima do que eu sou e
sempre serei como tenista.
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Mas como você sabe isso tudo? – perguntei amável.
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Eu fui campeã infantil e juvenil no meu estado, o Paraná. Joguei acho que uns
10 anos como ranqueada do estado e participava de torneios pelo Brasil e até pela
América do Sul, de vez em quando.
- E
não joga mais?
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Vim morar em Florianópolis para estudar Arquitetura e parei de jogar em
competições. Jogo de vez em quando, mas gosto mesmo é da parte técnica, dos
treinamentos etc. Quem sabe um dia eu abro uma academia de tênis?
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Camila, é admirável o quanto você sabe de tênis. Agradeço muito mesmo pelo seu
trabalho e sua atenção comigo. Agora, me desculpe se no início eu fui rude e
duvidei da sua capacidade.
-
Imagina. Isso acontece muito comigo. Essa é a minha competição atualmente. Os
meus campeonatos hoje em dia são pra que eu seja aceita no meu trabalho, na
minha faculdade, na minha vida. É uma batalha diária a gente ser negra e vencer
a partir das nossas próprias qualidades.
Nós
somos um país de negros. Historicamente os melhores esportistas brasileiros são
negros. Mas nossos tenistas são todos brancos.
Nos
desculpe, Camila.