Muito católico, devoto de Santa Paulina, a santa
dos catarinenses, Machado era só alegria quando a filha nasceu. Sua fé seguia os
passos da família, sendo sua mãe também fervorosa desde antes da madre virar
santa, coisa que aconteceu recentemente e foi muito festejada na sua cidade, Nova
Trento, que fica a 80 quilômetros de Floripa. Pelo nascimento ele agradeceu a
todos os santos com os quais simpatizava e que faziam parte do seu “ciclo de fé”,
como costumava dizer.
Eu tinha recém-chegado a Floripa e conheci o
casal Machado através de outros amigos. A gente falava muito sobre as comparações
e diferenças entre as cidades do Rio, São Paulo e Florianópolis, desde as ofertas
culturais, ou a falta delas, os transportes públicos, igualmente um caos na
Ilha, e com isso o assunto sempre chegava às bicicletas, ciclovias etc.
Quando isso acontecia, a própria mulher do
Machado dava força pra ele comprar uma bike, pra ele se exercitar, fazer alguma
atividade física que melhorasse a sua condição cardiopulmonar. Na verdade isso
era um sofisma que ela usava – e nos confessava – pra evitar dizer que ele
estava acima do peso e a necessidade médica era só uma artimanha pra que ele
deixasse de ser sedentário e preguiçoso. Essa era a pura verdade.
Sempre que a gente estava reunido e eu comentava
que ia jogar tênis nos finais de semana, religiosamente, e que muitas vezes ia
de bicicleta, ela aproveitava a deixa pra falar da beleza da Avenida Beiramar, da
ciclovia que margeia o oceano, que se podia pedalar ouvindo uma boa música,
olhando o céu azul e as árvores, poetizando sempre que podia para, em seguida, voltar
a incentivar que o marido comprasse a tal bicicleta, fazer exercício etc. etc.
etc.
Mas toda a festa nesta semana era pelo
nascimento da filha, Paula, homenagem, claro, a Santa Paulina, como toda a
família e os amigos já esperavam. Algum tempo depois os pais notaram que a
menina tinha um problema em um dos olhos. Ele parecia desalinhado com o outro e
ficava bem mais alto, como se olhasse pra cima o tempo todo. Embora o outro se
mexesse normalmente, atendendo aos estímulos visuais, o outro ficava meio
parado, só olhando pro alto.
Com os pais assustados, o médico teve trabalho
pra dizer que aquilo era, de certa forma, normal e que com um procedimento
simples de tapar aquela vista, o olho voltaria pro centro da cavidade e ficaria
igual ao outro. Mas a menina teria que ficar com o olho tapado por um certo
tempo, até que ficasse boa.
No começo, todos os amigos, a família, todos que
conheciam o Machado ficaram apreensivos. Muito mais pela aflição do pai do que
com o olho da menina propriamente, até porque muitos tinham conhecimento de
algum caso parecido que depois a cura foi efetiva, sem problema algum. Não é
tão incomum assim ver crianças na rua com um dos olhos tapados com aquela fita
cor da pele, algumas inclusive de óculos, sinal de um possível tratamento
semelhante.
Passadas mais algumas semanas eu encontrei o
casal na casa de uma amiga. Bem mais tranquilos e vendo que a Paulinha tirava
de letra o problema do olho tapado, brincando normalmente, eles contaram que
pela recente avaliação médica o olho estava melhorando e era coisa de mais uns
dois, três meses, pra poder tirar a venda. Mas no meio da conversa o Machado
anunciou que tinha feito uma promessa.
– As notícias são animadoras e eu fiz até uma promessa
pra minha filha ficar boa.
– Bacana – dissemos todos em coro.
– Prometi que quando ela ficar boa, com o olho
zerinho, eu finalmente vou comprar uma bicicleta.
– Uau, que legal, muito bom – vibramos com ele.
– Sim, e prometi que vou de bicicleta daqui de
Floripa até o Santuário de Santa Paulina. E prometi também que o Anderson vai pedalando
comigo!
Nesse instante todo mundo aplaudiu, assobiou,
gritou, fez a maior festa e, no meio da confusão, ninguém me ouviu dizendo: “Como
assim? O cara prometeu e eu que vou pagar a promessa? É isso mesmo?”.
Não teve jeito. Agora eu só estou esperando ele
marcar a data. Afinal, promessa é coisa séria!