Dia desses eu fui na lavanderia aqui perto, na
esquina de casa, pra pedir pra lavar uma colcha e dois casacos. Finzinho de
verão, a hora é boa pra ir deixando tudo certinho pra quando chegar o inverno e
arrumar as roupas e os cobertores do ano anterior é uma boa opção, tanto pela
calma em limpá-los como pela facilidade das lavanderias ainda vazias das
demandas da estação.
A lavanderia é pequena, tem apenas duas
funcionárias, e nesse dia uma estava atendendo no balcão e a outra passava a
ferro no fundo da loja. A loja é pequena de largura, mas de grande
profundidade, tendo as máquinas lavadoras todas enfileiradas desde a entrada,
com os objetos e apetrechos por cima, e com uma fileira de cadeiras de plástico
na outra parede, para os clientes que operam as máquinas e lavam as próprias
roupas.
Como não era o meu caso, enquanto uma moça fazia
a minha comanda de serviços, anotando o que eu trazia para lavar, a outra, que
estava lá atrás, passava um lençol e eu vi uma bela camisa masculina pendurada
no cabide, esticadinha, que tinha acabado de ser passada.
Eu notei que ela tinha umas aplicações por todo
o tecido, parecendo uns lápis, bem bonita. E aí eu perguntei à passadeira:
– Essa camisa aí pendurada ao seu lado, o que
são essas coisas desenhadas nela? Daqui parecem uns lápis, tipo uns canudos. O
que são?
A moça então tirou o cabide do suporte e veio na
minha direção, mostrando a camisa.
– Isso aqui? – disse, mostrando mais de perto –
são garrafinhas pretas e brancas, estão por toda a camisa. Tá vendo?
Eu disse que sim e fiquei olhando a camisa, que
era cinza e eu detesto cinza, mas não quis polemizar, ainda mais sendo aquele
cinza, cor-de-nada, com apliques em preto e branco, que deveria ser uma homenagem
do estilista ao preto e branco, celebrado com aquele belo cinza. Isso eu
pensei, me contendo pra não estragar o belo e salutar diálogo.
Nesse mesmo instante a outra moça, que me entregava
a comanda com o preço e a descrição do serviço, resolveu entrar na conversa.
– Bacana a camisa, né?
E eu, tentando explicar a minha curiosidade
disse:
– Sim, não dava pra ver de longe o que eram as
figurinhas e eu fiquei curioso. Tem muitas camisas assim atualmente. Outro dia
eu vi uma toda cheia de abacaxis, era uma camisa toda branca com os pequenos
abacaxis amarelos e com as ramas em verde clarinho.
Logo a mulher do balcão se alvoroçou, um tanto
contrariada:
– Nossa, essa de abacaxi eu nunca vi não. Toda
de abacaxis? E ainda amarelo e verde? Quem é que iria usar...
– Eu comprei uma – interrompi.
– Pois é, sabe, eu acho que deve ser assim mesmo
a vida. Cada um com o seu gosto e pronto. Quem sou eu pra dizer que uma camisa
cheia de abacaxis é feia ou bonita, não é mesmo?
E com um sorriso amarelo abacaxi, ela finalizou
com a clássica sentença:
– O que seria do azul se todos gostassem do
vermelho, não é assim?
A passadeira ficou passada (eu não podia perder
essa) e também logo disse alguma outra frase feita, clássica, sobre o gosto das
pessoas. Até ali o papo tinha ficado um tanto constrangedor, pois nós três percebemos
a acidez da crítica que se anunciava para a tal camisa do abacaxi, que abruptamente
foi mudada, para que fosse mantida a cordialidade dentro daquela máxima de que
o cliente tem sempre razão e que não temos, no nosso estabelecimento, razão
para discordar dele em hipótese alguma etc etc.
Assim, para não pagar de antipático e de dono da
verdade, ou dono do gosto pelos abacaxis, eu disse que ia contar uma historinha
pra elas.
– Pra vocês verem que gosto é mesmo algo muito
difícil de entender: o meu filho, Deco, um dia me deu de presente a camisa mais
legal que ele já comprou pra mim. Eu fiquei muito contente e disse a ele que
dessa vez ele tinha acertado na mosca, que aquela camisa era a minha cara.
E elas prestando atenção.
– Aí o Deco me explicou o seguinte: que ele definitivamente
tinha achado uma maneira de comprar camisa pra mim. Que ele chegava na loja,
olhava todas as vitrines e pensava, diante daquilo tudo, qual a única camisa
que ele jamais usaria. E era aquela que ele comprava pra mim.
As duas caíram na risada e eu fiquei aliviado
por não ter promovido uma conversa presunçosa da minha parte. Peguei a nota e
guardei no bolso. Elas me disseram que as roupas estariam prontas na
sexta-feira próxima e eu, agradecendo, respondi com um sonoro bom dia e boa
semana pra vocês.
Quando eu estava no meio do corredor uma delas
me pediu:
– O dia que você for usar essa sua camisa, a dos
abacaxis, dá uma passada aqui pra gente ver?
– Pode deixar que eu passo aqui, sim... – e saí
da loja topando o desafio.
– Tchau.