Estava eu, distraidamente, saindo da agência dos
Correios, quando meu telefone tocou:
– Alô.
– Alô! Aqui quem fala é o Juuuu-veeee-naaaallll.
Reconheci a voz do meu cunhado do outro lado, dei
uma risada e entrei na pilha:
– Faaala, Juuuu-veeee-naaaallll – de pronto, eu
lembrei de uma rima bem sacana, tipo “Juvenal, pega no meu p...” como resposta,
porque, mesmo que a gente tenha se falado muito pouco nos últimos tempos, a voz
naturalmente amplificada dele é de um timbre, digamos, inconfundível.
A rima era da época ainda de adolescente, que
tem a ver com um professor do segundo grau que eu tive. Durante as aulas,
sempre que um aluno iniciava a pergunta com o nome dele, a turma lá de trás
logo emendava a rima, bem baixinho, pra ele não ouvir: “Juvenal, pega no meu
p...”
Continuando a saudação ao meu cunhado, que se
passava por Juvenal, eu dei corda na conversa:
– Há quanto tempo, seu flamenguista viadinho! O
que é que mandas? Tás precisando de umas aulas de tênis ou o seu professor de
balé demitiu o pianista da escola e você vai me convocar?
Do outro lado ele disse, sisudo:
– É o senhor Anderson?
– Sim, sou eu mesmo, mó pombo Juvenal. Aliás,
queria parabenizar pela filhota que mora lá no quadradinho e que virou atriz. Quem
diria? Essa moleca vai longe... Mas, me diz o que tu quer? Onde dói?
– É que eu sou o Juvenal, da Dedetizadora Foca.
A imobiliária me deu o seu número pra gente marcar uma visita. Que horas seria
bom pro senhor? Eu já estou aqui na sua rua, pertinho do seu prédio.
– Éééé..., hããã..., assim..., deixa eu ver...,
eu chego aí na porta do prédio daqui a cinco minutos – respondi autômato e
desconsertado.
– Ok, eu aguardo o senhor na portaria. Até já.
– Até.
Eu nem lembrava mais dessa vistoria, nem da
imobiliária, nem do cupim. Tinha esquecido completamente.
Quando eu finalmente encontrei o seu Juvenal na
porta do meu prédio ele já me recebeu com um sorriso, como se tivesse entendido
tudo e toda a situação embaraçosa que eu criei. Ele deve ter pensado que das
duas uma: ou eu tinha confundido a voz dele, e falado daquele jeito, ou o caso
seria, obrigatoriamente, de internação urgente no manicômio mais próximo e sem necessidade
de prescrição médica.
A gente entrou no apartamento, ele olhou tudo, cada
cômodo, anotou na sua ficha, me falou dos prazos e procedimentos pra fazer a
descupinização e tal..., e eu, o tempo todo, só pensando que foi por um triz
que, ao telefone, eu não disse “Juvenal, pega no meu p...”.
Fim da primeira ligação.
No gabinete da presidência de uma grande
construtora a secretária passou a ligação:
– Dona Neide, é da Casa Militar do governador. Você
atende?
– Alô, pois não, é a Neide – depois de um breve
silêncio do outro lado, o homem se apresentou como fulano de tal, patente tal, imediato
da Casa Militar do Governador, e esperou ela responder.
– Hahaha, casa militar? Do governador? Hahaha, ô
Nilson para de sacanagem comigo porque eu conheço a sua voz, seu porra.
– Desculpe, senhora, não entendi.
– Ô Nilson, tu acha que vai me enganar com essa
voz de Cid Moreira, seu porra? Eu te conheço, para de merda comigo. Aliás, cadê
aquelas galinhas caipiras que você me prometeu, lá do teu sítio? Falou que ia
me trazer e até agora nada. Hein, seu porra? Tu é só garganta mesmo. Eu te
conheço. Da outra vez tu disse que ia trazer os convites pro São João do Iate
Clube e sumiu no mundo, seu merdinha.
– Senhora, a senhora deve estar me confundindo.
– Que confundindo nada! Tô é toda confudida,
hahaha. Se é que fui clara, hahaha. Co-fudida. Ô Nilson, tu só me aparece aqui
na empresa quando trouxer as minhas galinhas caipiras tá, seu porra? Fica
sabendo. Agora, não vem com essa conversa mole de militar não, que eu te
conheço. Vai, fala logo o que tu quer? Tu já voltou de viagem? Tu tá aqui em
Salvador?
– Senhora, eu estou passando a ligação para o
Chefe do Cerimonial da Casa Militar do Governador da Bahia. A senhora aguarde
só instante que ele já vai falar.
– Puta-que-pariu, meu Senhor do Bonfim!!! – e
desligou.