O projeto de cinema já tinha uns cinco anos que
acontecia em Florianópolis, quando resolvemos fazer uma sessão na cidade de
Laguna, no sul do estado, com o apoio do escritório técnico daquela cidade.
Naquela ocasião o histórico e imponente cinema
da cidade estava fechado há alguns anos e era triste para os moradores terem de
se deslocar até a cidade vizinha, simplesmente pra poder ir ao cinema, ainda
mais tendo uma bela construção daquele porte bem no centro da cidade, porém
fora de uso.
Esta foi uma das razões pelas quais tivemos a
iniciativa de levar o projeto pra lá. Na verdade a programação não envolvia
somente a projeção de um filme, pois era um evento que se estendia além da
própria sessão e buscava, ao fim desta, a participação da plateia de modo que
ela se sentisse convidada a fazer comentários sobre o filme, em uma espécie de
debate, que contava com a ajuda de um mediador.
Já nas primeiras reuniões a gente resolveu mudar
o local da projeção. Deixamos de lado o comum e previsível auditório e
decidimos usar como tela a parede cega na lateral da igreja matriz, na praça
central, que proporcionaria um quadro de grandes dimensões e poderia ser visto
de muito longe.
Em seguida, sendo ao ar livre, teríamos de usar
uma boa amplificação de som, inclusive com microfones, para que as pessoas
pudessem ser ouvidas durante os debates.
E, por fim, a escolha do filme tinha de ser
certeira, igualmente atrativa pra todo o público e instigante para os
espectadores de primeira viagem, ao menos para que voltassem na próxima sessão.
Sendo assim, dentre os filmes sugeridos pelas equipes de Laguna e Floripa, o
escolhido foi A Rosa Púrpura do Cairo, do diretor Woody Allen.
A trama é divertida e começa com uma mulher que está
no cinema quando, de repente, um dos personagens do filme olha pra ela, ali
sentada na plateia, e começa a lhe fazer perguntas, interagindo com ela ante o
espanto dos outros personagens do próprio filme. Não satisfeito em apenas falar
com a moça o homem resolve sair da tela, se materializa com um corpo físico e
desce do palco pra conhecê-la melhor.
Bem, a partir da escolha do filme a gente ficou
bem empolgado, imaginando essa cena acontecendo naquele telão enorme na parede
da igreja e pensando na reação do público com aquilo. O mediador também foi
orientado a provocar na plateia o interesse pelo cinema, pela cultura enfim,
fazendo um painel sobre a obra do diretor e sua trajetória, além de dar dicas
cinematográficas e citar curiosidades sobre as produções do cinema brasileiro
que, certamente, poderiam ser indicadas para as próximas sessões.
No dia marcado, tudo conferido. Som, projetor de
DVD, microfones, fios pra todos os lados, caixas, a limpeza do espaço, tudo era
passado e repassado desde cedo. O padre veio acompanhar a montagem do
equipamento e, elogiando a nossa iniciativa, disse que ia dar tudo certo pois
agora era só esperar a noite chegar pra tela se acender.
A gente pegou algumas cadeiras emprestadas do
salão paroquial mas elas nem deram pra saída, de tanta gente que chegava. No
instante seguinte tinha pessoas sentadas no chão, em lençóis e toalhas, em
bancos de todos os tipos e tamanhos, em cadeiras de praia e até nos carros ao fundo
da praça. Depois chegaram as carrocinhas de pipoca, o homem do algodão doce e
do churros e, a seguir, a água e o refrigerante pra que a sessão começasse.
O som da plateia rindo toda junta, as
movimentações e reações das pessoas conforme o filme avançava eram acompanhadas
por nós com muita alegria e sentimento de dever cumprido.
Assim, quando o filme terminou, quando a gente
estava começando a montar o local pro mediador fazer a introdução aos debates,
uma chuva surpreendeu todo mundo e a correria foi enorme. A gente correu pra
proteger o equipamento, as cadeiras e o público esvaziou o local com a mesma
pressa.
Nenhum de nós queria admitir a frustração pela
chuva ter chegado bem na hora da mediação, mas foi visível a melancolia no
rosto da equipe, enquanto arrumava tudo pra ir embora. Era a primeira sessão do
projeto na cidade e a gente contava com a participação do público, queríamos
ter falado do projeto, dos filmes, do cinema, da Cultura. Mas a chuva chegou e estragou
tudo.
Enfim, no dia seguinte, no portão do escritório,
antes de voltar pra Florianópolis, a gente estava meio cabisbaixo, meio sem
jeito nas despedias, com receio de aumentar o já grande desalento do grupo,
quando um senhor, morador local, passando do outro lado da praça nos viu e
acenou, vindo até nós.
Ele era conhecido dos funcionários do escritório
e quando chegou perto já foi cumprimentando todo mundo:
– Olha, vocês estão de parabéns, meninos. Que
belo trabalho vocês fizeram para a nossa cidade aqui na noite de ontem. Um
filme belíssimo. Uma tela gigante daquela, com qualidade melhor do que muito cinema
por aí.
– Obrigado – murmurou timidamente uma das
meninas.
E o velhinho continuou:
– Vocês sabem que essa nossa igreja aqui é de
Santo Antônio dos Anjos, né? E vocês, além do trabalho realizado, também
tiveram muita sorte, vocês sabem? Claro, foi muita sorte de todos nós que a chuva
só chegou quando o filme terminou. Parece que estava tudo combinado. Nem uma
gota durante o filme. E foi só ele acabar pra Santo Antônio então deixar a
chuva cair. Sorte a nossa. Sorte de vocês. Então eu repito com muito orgulho:
parabéns a vocês todos. E não se esqueçam de agradecer sempre ao nosso Santo
Antônio.
De repente o que era tristeza se transformou em
alegria. Em cada um surgiu um contentamento sem tamanho que nenhum de nós tinha
se dado conta até aquele momento. A gente só estava lamentando a chuva no final
do filme e foi exatamente por aquilo, pela chuva só ter caído no final da
sessão, que o velhinho estava contente, dizendo que tudo tinha dado certo e que
a gente teve sorte, muita sorte.
Então, todos nós nos abraçamos novamente, agora
com grandes e fraternos sorrisos nos rostos, trocando parabéns entre todos, com
a alegria de termos feito um trabalho legal e com ânimo pra continuar o nosso projeto
de cinema.
Quando entramos no carro e abrimos o vidro pra
dar adeus, alguém gritou “Viva Santo Antônio”.
E todos respondemos: – Viva Santo Antônio!