O grupo de funcionários do supermercado chegou
do almoço e todos foram, em fila, um a um, até a área administrativa pra registrar
o retorno ao trabalho no ponto eletrônico instalado na parede.
Reclamando do calor em Florianópolis e da falta
de disposição que ele provoca, a moça do caixa ia, aos poucos, se instalando no
seu posto, manuseando os seus apetrechos, as chaves e a bolsinha com moedas, as
notas miúdas para o troco etc. Em seguida, já ajeitada na sua cadeira e, vendo
que a supervisora se aproxima, ela pergunta sobre a Val.
– A Valdirene não vem hoje – responde a chefe.
Ela ligou e avisou que o filho ainda está doente. Eu mesma falei com ela no
telefone hoje cedo.
Sem dizer nada a caixa fechou a cara e puxou os
lábios pro lado do rosto, em claro sinal de descontentamento. Depois suspirou forte,
contrariada, e pediu que a chefe pusesse a senha na máquina pra que ela
começasse a atender os clientes.
Passaram-se alguns minutos e de novo a
supervisora veio até a caixa tentando explicar:
– Você não sabe o que é ter um filho doente.
Isso porque você não tem filho, é muito nova. Quando você tiver filho você vai
entender. O menino dela está com uma virose e ela tem que ficar com ele. Natural.
– Mas eu não disse nada. Só que conheço muita
gente que teve virose e não ficou em casa – replicou a moça.
Os outros caixas apitando suas luzes, chamando a
supervisora aqui e ali e, mesmo assim, sempre que podia ela passava pela moça e
trocava algumas palavras, buscando a sua compreensão para com o problema de
saúde que, afinal, se referia ao filho de uma colega sua de trabalho.
– Olha, vou te explicar mais uma vez. Não é
qualquer virose que o menino da Val pegou não. Eu falei com ela pelo celular
hoje de manhã. Ele está com uma virose complicada. É uma virose bacteriológica.
Você nem sabe o que é isso, menina.
A moça do caixa ficou passada com a explicação.
Reprovando a sua própria conduta em desconfiar da colega, ela ficou remoendo aquela tal virose bacteriológica e, pior, pra cada colega que ela falava sobre a doença,
e o nome complicado, este fazia uma associação ainda pior, no universo das desgraças
alheias que pegam qualquer um a qualquer hora.
E a notícia só crescia.
Um dos repositores do supermercado, passando
pela caixa algum tempo depois, perguntou a ela:
– Você soube da Val? Caramba, o filho dela pegou
uma virose parasita que vai comendo o intestino todo. É uma bactéria que também
fica no pulmão e vai enfraquecendo o garoto e parece que o coitado nem consegue
respirar direito.
– Não sabia disso não. Só sabia que era, como é
mesmo?, virose bacteriológica, coisa de um vírus que vai crescendo e mudando de
formato e nenhum remédio consegue matar os bichos. Coitada da Val.
Por todo o período do almoço, quando os
funcionários vão ao refeitório em turmas, revezando as equipes de trabalho do
supermercado, o assunto era um só: o filho da Valdirene.
E cada um que passava pela frente da loja comentava
alguma coisa com a pobre caixa.
– Gente, quando eu soube que era virose eu já
fiquei doida. Ainda mais sendo bacteriológica? Aí só rezando pra Val mesmo.
Dizem que aquele Marcelo Rezende, da Record, morreu dessa virose. Ele era até
fortinho, mas ficou fraco de repente e dali só piorou. E os médicos não
divulgam porque não têm nenhum remédio. Ainda estão fazendo pesquisas, sei lá, e
até agora nem vacina nem nada.
– É o leite. O vizinho do meu cunhado teve isso
e era o leite. O leite de caixinha. Aquilo ali é um veneno, de tanta química
que tem dentro.
E eu que estava ali só fugindo do calor.
Eu tinha um compromisso depois do almoço e cheguei
cedo. Aí, entrei no supermercado, fresquinho, só pra comprar um docinho básico,
mas acho que fiz a compra rápido demais e quando passei pelo caixa ainda tinha
muito tempo pra ficar andando na rua, naquele calorão todo. Foi então que decidi
ficar ali na entrada mesmo, no cantinho esquerdo, claro, fazendo hora. Eu
estava justamente em frente ao relógio de ponto e bem do lado da tal
moça do caixa, que tinha voltado do almoço há pouco. Enfim, estava de camarote
vendo e ouvindo tudo.
Decidido a ir embora e já pensando que aquilo
viraria uma crônica, eu só quis esclarecer pra moça do caixa algo bem básico
que tinha sido falado e que estava grotescamente errado, no meio de todo aquele
furdunço, regado a exageros e mal-entendidos de toda ordem e pra todos os
gostos, desde o começo.
– Moça, moça – comecei eu, baixinho. Eu só
queria dizer que virose bacteriológica não pode ser. Uma coisa é o vírus e
outra, a bactéria, portanto...
– O senhor é médico?
– Sou jornalista.
– Ah, então tá!
E eu fui saindo de fininho, com o meu doce na
mão e muitas ideias na cabeça.