Trata-se de um Centro de Tecnologia. Define-se
como um local criado para apoiar o “ecossistema empresarial” e que se orgulha
de ter a tal excelência, agrupando atividades de ensino e desenvolvimento nas
áreas científica e tecnológica.
Criado para “dar suporte, capacitação e
inspiração aos empreendedores”, o Centro está localizado em um amplo espaço,
construído especialmente para estas atividades, com muito vidro, metal e
concreto, e dotado de restaurantes, bares e estacionamento.
Eu estive ali somente por um par de horas, sendo
a minha visita restrita aos segmentos que são exceção naquele complexo
empresarial, a saber, a loja de artigos de jardinagem, a sorveteria e a
barbearia. Nesse período, meu contato com a excelência do lugar não foi uma
experiência simples e nem, digamos, das mais agradáveis.
Era um dia de verão e tinha chovido muito, um
pouco antes de eu chegar. A entrada dos carros fica bem longe da área
construída e há apenas um caminho para o estacionamento, que também fica
distante. Os veículos passam pela lateral das lojas, sendo que tudo está
localizado no mesmo pavimento térreo.
Eu estacionei lá longe e voltei para onde ficam
as lojas por um caminho de pedestres, ladeado e protegido por uma pequena cerca.
De um lado passavam os carros em direção ao estacionamento e, de outro, os
pedestres, retornando ao complexo.
Assim que eu entrei na tal calçadinha notei um
grupo parado mais à frente. Quando cheguei perto entendi que era uma tentativa
de transpor uma enorme poça d’água, que estava bem no meio da passagem e que
não dava alternativa aos pedestres. Algumas pessoas voltavam até o início da
calçada e desviavam pela rua, dividindo perigosamente o espaço com os carros. Outros,
que fisicamente podiam, simplesmente pulavam a cerca, que aliás era alta. Tudo
pra não pisar na tal poça, um tanto extensa e consideravelmente funda.
Um dos funcionários do estacionamento, vendo que
cada vez chegava mais gente e engarrafava a calçada, foi até lá e chamou o que
parecia ser um chefe seu, ou talvez um gerente, tipo de operações tecnológicas
e científicas, pra combinar com o lugar.
Assim que o funcionário lhe mostrou a poça e as
pessoas ali paradas, cada uma tentando dar o seu jeito, o tal gerente emitiu o
seu brilhante parecer a todos nós:
– Olha, isso é assim mesmo. Choveu e a chuva faz
poça. Não tem nada que eu possa fazer.
Alguém até sugeriu um rodo, um simples rodo, um
instrumento nada tecnológico, é verdade, mas que poderia muito bem ser útil pra
desfazer aquela poça. O comentário foi apoiado por alguns outros, mas logo veio
a resposta, um tanto desconcertante:
– Ah, mas a gente não tem rodo não. Esses
materiais a gente não usa aqui não. Aqui é só coisa de tecnologia mesmo.
Computador, essas coisas.
Eu estava de sapatilha, que é metade sandália Havaianas,
ou seja, borracha e pano. Por isso, não pude deixar de sentir pena dos jovens
que molharam os respectivos tênis e meias e que iam trabalhar ou estudar, ainda
por longas horas.
Estava eu assim, caminhando no sentido das lojas
e pensando no grande abismo existente entre as mais avançadas tecnologias e um
rodo, quando, de repente, me deparei com um carro que fazia manobra pra entrar
numa vaga. A motorista, por sua vez, discutia com o vigilante do
estacionamento.
Todo cheio de cuidado, delicadamente – o quanto
é possível ser –, o homem de uniforme preto e amarelo, boné e um monte de
coisas penduradas no cinto, explicava à jovem motorista que aquela vaga,
sinalizada com a inscrição 60+, era de uso restrito das pessoas com mais de 60
anos. E por isso ela ficava ali, bem na entrada, pra facilitar justamente o
acesso destas pessoas.
Ele falava, apontava pra sinalização no chão da
vaga, mostrava o caminho pro estacionamento correto e a menina nem dava bola,
continuava estacionando e terminando de alinhar o carro na faixa. Assim que ela
terminou, saiu do carro e disse singelamente ao vigilante.
– Eu estaciono onde eu quiser, tá entendido? E
não vai ser um vigilante de merda que vai me dizer o que eu posso ou não posso
fazer.
Bateu a porta com toda a força e foi-se embora,
simplesmente. Faceiramente.
Não é que eu queira desfazer de toda essa
cultura tecnológica que o mundo vem abraçando festivamente, cada dia mais. Não
é que eu me incomode com essas propagandas de aplicativos variados, que apontam
o benefício de o usuário não precisar falar com pessoa alguma, como se isso
fosse um grande benefício. Não é que eu seja contra as facilidades que as
tecnologias nos impõem sem nos
consultar. Não é porque eu xingo o caixa eletrônico, toda vez que o equipamento
não lê a minha digital e me obriga a fazer vários outros procedimentos pra um
simples saque, quando foi o próprio banco que me obrigou a “optar” pela tal
senha através da digital. Não é isso! O que me incomoda é justamente o fato de
que essas tecnologias estão fazendo da gente pessoas piores, com atitudes deploráveis,
desumanas, desrespeitosas. Estamos nos tornando maquinalmente insensíveis,
tecnicamente babacas e prepotentes em excelência. Não sabemos mais nos
comunicar e cada vez isso importa menos para as pessoas.
Enfim, ansioso por dar um fim rápido àquela
tarde incômoda, mesmo assim, antes de ir embora eu decidi comer alguma coisa no
barzinho perto. Tudo ali era eletrônico, evidentemente. O próprio pedido que eu
fiz foi através de um terminal cheio de gráficos com os preços saltitando, com os
combos, com imagens dos produtos e cores, muitas cores. Ah, e tinha ainda
aquela plaquinha cheia de luzinhas, tipo chaveiro, que a gente leva pra mesa e ela
nos avisa quando o pedido está pronto pra ser retirado no balcão.
Não deu um minuto sentado e uma goteira veio do
teto bem em cima da minha mesa. Já estava tudo bem molhado em volta e eu
desconfiei que aquilo já tinha algum tempo. Pensando se valia a pena mudar de lugar,
tentei avaliar o teto, o chão e também a mesa ao lado, pra ver se tinha água.
Nessa hora um senhor se aproximou e passou a
explicar que o projeto arquitetônico do empreendimento era algo inovador, pois
abrigava vários bares e restaurantes dentro de uma mesma edificação,
racionalizando assim as instalações elétricas e hidráulicas, a rede de internet e até o
ar-condicionado, responsável pelo pinga-pinga.
Provavelmente ele me viu incomodado com a
goteira, trocando de lugar, e veio dar as informações sobre o que estava
acontecendo.
Ok, ele foi simpático e atencioso, o que
diminuiu a minha sensação de arrogância exarada pelo lugar. Mas mesmo eu sendo
receptivo àquele diálogo, mesmo ouvindo as suas considerações acerca da
condensação da água e outras desculpas para a tal goteira, eu juro que enquanto
ele fazia a sua explanação técnica eu estava a um passo de perguntar se ele
sabia o que era um rodo. Sim, um simples rodo!
Um rodo pra calçada do estacionamento.
Um rodo pra goteira do barzinho.
Enfim, daquele início de tarde só ficaram duas
certezas sobre o grandiloquente empreendimento:
Não ter educação, vá lá... Resta-nos lamentar a
graça não alcançada.
Mas não ter um rodo? Aí já é demais!