segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

A Consulta


Toquei a campainha da entrada e esperei. O botão ficava ao lado de uma porta de vidro, toda pintada de branco. Do outro lado do interfone uma voz disse:
– Quem?
– Boa tarde.
– Quem?
– Meu nome é Anderson.
– De onde?
– É que eu queria desmarcar uma consulta.
– Qual o médico?
– É com o fisioterapeuta.
– Ele não está. Volte mais tarde.
– Não, eu só queria desmarcar minha consulta com ele. Consulta de avaliação.
– Ah, um minutinho.
Alguma coisa nesse momento me dizia que aquilo não ia ser tão fácil como eu pensava. Na verdade, eu tinha tentado desmarcar pelo telefone, mas foi tanta confusão que eu preferi ir pessoalmente. Ficava na esquina de casa a tal clínica e, afinal, é sempre melhor falar diretamente com as pessoas.
Esse foi o meu engano. Depois de entrar e tirar uma senha de atendimento, ainda esperei um bocado pra ser chamado, embora só estivesse eu sentado nos bancos da sala. Finalmente, a moça me chamou.
– Então, eu queria desmarcar uma avaliação de fisioterapia, que eu marquei na semana passada.
– Como assim, desmarcar?
– Desmarcar. Eu não virei na consulta.
– Qual o convênio?
– Você não quer o meu nome?
– Primeiro o convênio.
– Ok, é da empresa xis.
– Tem a sua carteirinha?
– Tenho, mas eu quero desmarcar somente. Eu liguei pra marcar e agora quero desmarcar.
– O senhor não gostou do fisioterapeuta?
– Eu nem o conheço!
– Então porque quer desmarcar? Alguém falou mal dele pro senhor?
– Não, foi só agenda mesmo. Eu consegui marcar com outro profissional pra mais perto, na próxima quarta, assim começo logo o tratamento. Estava marcado pra sexta-feira, aqui.
– Ok. Achei a ficha. Era na sexta, às 11 horas, né?
– Sim, isso mesmo.
– E o senhor quer marcar pra quando?
– Não. Não quero marcar nada não.
– E vai ficar sem fisioterapia?
– Eu marquei com outro profissional, em outra clínica.
– Entendo. E lá é melhor?
– Ainda nem fui lá. Então não tenho como saber.
– É mais perto da sua casa?
– Não. Essa aqui é bem mais perto. A outra é no continente, lá no bairro Estreito.
– Então vou deixar essa marcação aqui, pro caso de o senhor mudar de ideia.
– Não precisa. É melhor desmarcar pra liberar o horário.
– E quem o senhor quer botar no lugar da sua consulta?
– Não quero botar ninguém. Apenas vai ficar livre o horário, para o caso de alguém querer marcar.
– Mas tem outros horários livres. Não é preciso o senhor desmarcar a sua. Fala a verdade: o senhor não gostou do Cosminho, né?
– Como? Quem? Eu nem conheço ele. Eu fiz um agendamento pra consulta de avaliação e só estou querendo desmarcar. Só isso.
– Foi algum problema com o seu convênio? Ele não autorizou?
– Não.
– Algum conhecido já fez fisio aqui e falou pro senhor algo negativo sobre nós?
– Nããão.
– O senhor já fez algum tratamento com o Cosminho?
– Não!!! Claro que não... É só isso? Tá desmarcado?
– Tá quase. O senhor sabe qual o ônibus que passa no Estreito?
– Como? No Estreito? Ah, qualquer um que passe da ponte já serve.
– Mas o senhor mora aqui bem pertinho, né?
– Sim, moro.
– Agora eu fiquei curiosa. O senhor é vegano? Sabe, aquelas pessoas que não comem carne, ovo e leite?
– Ué, qual o problema de eu ser vegano?
– Eu sabia.
– Não, espera! Eu não sou vegano nada! Mas poderia ser, caramba!
– É que aqui a gente atende muita gente vegana.  E também gente que não come carne. Como é mesmo o nome desses? É...
– Chatos.
– Como?
– Nada. Não disse nada!
– Olha só, o senhor quer que eu ligue pro seu convênio? Quem sabe comigo eles autorizam?
– Não se preocupa, não. Obrigado pela atenção. Está desmarcado o meu horário? Eu vou indo então, tá?
– Se sua carteirinha estiver dentro da validade, eu consigo autorizar.
– Obrigado mais uma vez.
– Olha, não quero dizer nada não, mas aquelas clínicas lá do Estreito são umas drogas, hein? E tome muito cuidado com os seus pertences.
Eu saí de fininho, sem olhar pra trás, e fechando cuidadosamente a porta pesada de vidro.
Tentando botar as ideias em ordem, rememorando tudo o que tinha acontecido, aquele diálogo surreal – quem é esse Cosminho? –, eu apenas lembro que estava andando a esmo, no sentido de casa. As palavras da atendente soavam cada vez mais incrédulas no meu ouvido. Iam e voltavam, rodopiavam e se crispavam, abusando daquela singular entonação, igualmente surreal.
No fundo dessas lembranças começaram a emergir algumas buzinas. Estranho – eu pensei – essas buzinas mais atrapalham do que ajudam o trânsito. E foi então que um colegial surgiu do meu lado e me disse:
– Moço, moço, eles estão parados esperando você atravessar.
Aí eu me dei conta de que havia parado bem na frente de uma faixa de pedestres. Era eu que estava parando o trânsito. As buzinas, enfim, eram pra mim. E todos os olhares também.
Dei um sorriso sem graça e agradeci ao garoto, enquanto atravessava apressado.
Uma coisa é certa: nunca mais eu passo na frente daquela maldita clínica de psicoterapia, quer dizer, de fisioterapia. Nem pra desmarcar!


Nenhum comentário:

Postar um comentário