Toquei a campainha da entrada e esperei. O botão
ficava ao lado de uma porta de vidro, toda pintada de branco. Do outro lado do
interfone uma voz disse:
– Quem?
– Boa tarde.
– Quem?
– Meu nome é Anderson.
– De onde?
– É que eu queria desmarcar uma consulta.
– Qual o médico?
– É com o fisioterapeuta.
– Ele não está. Volte mais tarde.
– Não, eu só queria desmarcar minha consulta com
ele. Consulta de avaliação.
– Ah, um minutinho.
Alguma coisa nesse momento me dizia que aquilo
não ia ser tão fácil como eu pensava. Na verdade, eu tinha tentado desmarcar
pelo telefone, mas foi tanta confusão que eu preferi ir pessoalmente. Ficava na
esquina de casa a tal clínica e, afinal, é sempre melhor falar diretamente com
as pessoas.
Esse foi o meu engano. Depois de entrar e tirar
uma senha de atendimento, ainda esperei um bocado pra ser chamado, embora só
estivesse eu sentado nos bancos da sala. Finalmente, a moça me chamou.
– Então, eu queria desmarcar uma avaliação de
fisioterapia, que eu marquei na semana passada.
– Como assim, desmarcar?
– Desmarcar. Eu não virei na consulta.
– Qual o convênio?
– Você não quer o meu nome?
– Primeiro o convênio.
– Ok, é da empresa xis.
– Tem a sua carteirinha?
– Tenho, mas eu quero desmarcar somente. Eu
liguei pra marcar e agora quero desmarcar.
– O senhor não gostou do fisioterapeuta?
– Eu nem o conheço!
– Então porque quer desmarcar? Alguém falou mal
dele pro senhor?
– Não, foi só agenda mesmo. Eu consegui marcar
com outro profissional pra mais perto, na próxima quarta, assim começo logo o
tratamento. Estava marcado pra sexta-feira, aqui.
– Ok. Achei a ficha. Era na sexta, às 11 horas,
né?
– Sim, isso mesmo.
– E o senhor quer marcar pra quando?
– Não. Não quero marcar nada não.
– E vai ficar sem fisioterapia?
– Eu marquei com outro profissional, em outra clínica.
– Entendo. E lá é melhor?
– Ainda nem fui lá. Então não tenho como saber.
– É mais perto da sua casa?
– Não. Essa aqui é bem mais perto. A outra é no
continente, lá no bairro Estreito.
– Então vou deixar essa marcação aqui, pro caso
de o senhor mudar de ideia.
– Não precisa. É melhor desmarcar pra liberar o
horário.
– E quem o senhor quer botar no lugar da sua
consulta?
– Não quero botar ninguém. Apenas vai ficar
livre o horário, para o caso de alguém querer marcar.
– Mas tem outros horários livres. Não é preciso
o senhor desmarcar a sua. Fala a verdade: o senhor não gostou do Cosminho, né?
– Como? Quem? Eu nem conheço ele. Eu fiz um
agendamento pra consulta de avaliação e só estou querendo desmarcar. Só isso.
– Foi algum problema com o seu convênio? Ele não
autorizou?
– Não.
– Algum conhecido já fez fisio aqui e falou pro
senhor algo negativo sobre nós?
– Nããão.
– O senhor já fez algum tratamento com o
Cosminho?
– Não!!! Claro que não... É só isso? Tá
desmarcado?
– Tá quase. O senhor sabe qual o ônibus que
passa no Estreito?
– Como? No Estreito? Ah, qualquer um que passe
da ponte já serve.
– Mas o senhor mora aqui bem pertinho, né?
– Sim, moro.
– Agora eu fiquei curiosa. O senhor é vegano?
Sabe, aquelas pessoas que não comem carne, ovo e leite?
– Ué, qual o problema de eu ser vegano?
– Eu sabia.
– Não, espera! Eu não sou vegano nada! Mas
poderia ser, caramba!
– É que aqui a gente atende muita gente
vegana. E também gente que não come
carne. Como é mesmo o nome desses? É...
– Chatos.
– Como?
– Nada. Não disse nada!
– Olha só, o senhor quer que eu ligue pro seu
convênio? Quem sabe comigo eles autorizam?
– Não se preocupa, não. Obrigado pela atenção.
Está desmarcado o meu horário? Eu vou indo então, tá?
– Se sua carteirinha estiver dentro da validade,
eu consigo autorizar.
– Obrigado mais uma vez.
– Olha, não quero dizer nada não, mas aquelas
clínicas lá do Estreito são umas drogas, hein? E tome muito cuidado com os seus
pertences.
Eu saí de fininho, sem olhar pra trás, e fechando
cuidadosamente a porta pesada de vidro.
Tentando botar as ideias em ordem, rememorando
tudo o que tinha acontecido, aquele diálogo surreal – quem é esse Cosminho? –, eu
apenas lembro que estava andando a esmo, no sentido de casa. As palavras da
atendente soavam cada vez mais incrédulas no meu ouvido. Iam e voltavam,
rodopiavam e se crispavam, abusando daquela singular entonação, igualmente
surreal.
No fundo dessas lembranças começaram a emergir
algumas buzinas. Estranho – eu pensei – essas buzinas mais atrapalham do que
ajudam o trânsito. E foi então que um colegial surgiu do meu lado e me disse:
– Moço, moço, eles estão parados esperando você
atravessar.
Aí eu me dei conta de que havia parado bem na
frente de uma faixa de pedestres. Era eu que estava parando o trânsito. As
buzinas, enfim, eram pra mim. E todos os olhares também.
Dei um sorriso sem graça e agradeci ao garoto,
enquanto atravessava apressado.
Uma coisa é certa: nunca mais eu passo na frente
daquela maldita clínica de psicoterapia, quer dizer, de fisioterapia. Nem pra
desmarcar!
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