Em tempos de
ignorância, crueldade e egoísmo, parece que estamos cada vez mais nos afastando
das práticas civilizatórias que vimos desenvolvendo desde sempre. A gente até
vinha evoluindo, mas, de repente tudo mudou. Até bem pouco tempo éramos uma
sociedade fraterna, fomentando minimamente atitudes que apontavam para o
reconhecimento dos direitos individuais e coletivos.
Pois, no meio
do caminho, bichos estranhos começaram a sair de suas tocas, aqui e ali, dando
voz aos irracionais e iletrados, para não dizer analfabetos, dotados de arrogância
generalizada e prepotência sistêmica a dar e vender, sem vergonha alguma,
diante do mundo, da sua torpe condição arcaica.
Pois bem, Leandro
era um sujeito que procurava emprego havia um bom tempo. Recém chegado a
cidade, tinha certa urgência em se manter, apesar de toda a amizade que o
cercava e que lhe dava moradia e compreensão, além de grande incentivo pessoal.
Não era urgente a sua procura, mas o incomodava o fato de não poder retribuir à
altura tudo o que recebia.
Claro que numa
situação dessas o rapaz, muitas vezes, duvidava da própria sorte, da sua
capacidade de conseguir trabalho e de suas competências, visto que as
entrevistas se sucediam e nada de vir uma efetivação. Constantemente ele abria
mais e mais o seu leque de possibilidades, aceitando o que viesse e topando
qualquer colocação.
Foi assim que
surgiu a entrevista para um trabalho de meio expediente. Era numa papelaria,
uma loja grande e bem farta, que tinha um bom movimento de clientes e ainda
havia a comissão de praxe pelas vendas. Depois de muito tempo, pudemos ver o Leandro
alegre com os seus dias. Finalmente.
A busca,
entretanto, continuava ativa, já que havia todo um turno da tarde a reclamar o
encaixe de mais trabalho, muito ansiado e muito necessitado. E o tempo se
arrastava, rareando até as entrevistas, uma vez que quase todas eram agendadas
na parte da manhã, justamente quando ele estava na papelaria.
Na porta de
uma Ong, que ficava perto do terminal de ônibus, um belo dia ele resolveu olhar o mural
de avisos, onde se colocavam as ofertas de emprego, com vagas de todos os tipos
e horários. Percorreu tudo, de cima a baixo, e nada parecia interessante. Até
chamadas para serviços voluntários tinha ali, o que acabou por trazer um tanto
de melancolia à sua procura.
Chegou em casa
e, ao comentar sobre o tal trabalho voluntário que tinha ficado na sua cabeça,
logo um amigo deu todo o incentivo e argumentou que, parado por parado, ele estaria
fazendo algo de bom para alguém e que, por isso, ele deveria ao menos ir ver do
que se tratava. E ele foi.
Era uma
associação de familiares e acompanhantes de crianças em tratamento de saúde. O
paciente, quase sempre criança, vinha de outra cidade para se tratar na capital,
na companhia dos pais ou de algum outro membro da família. Durante o tratamento
ou enquanto faziam os exames, que podiam demorar alguns dias, os acompanhantes
não tinham condições adequadas de acomodação, tampouco de alimentação ou acolhida,
sendo que era essa associação que propiciava, através de doações, os meios para
tal.
Assim que o Leandro
tomou conhecimento da situação, já se animou em poder ajudar. Ele não tinha
ideia de que haviam pessoas passando por tais percalços e que precisavam tanto
de ajuda, não só no aspecto da saúde de seus entes, como na parte emocional e
psicológica como acompanhantes, prontos, como se espera deles, para prestar o
apoio e a assistência, bastante para abrir caminho para a cura.
Todos os
amigos contam como foi incrível a mudança de ânimo do rapaz, a partir do
momento em que passou a ser voluntário, pois ele jamais teria se sentido tão
útil. O seu bom-humor, a sua disponibilidade e a atenção com as pessoas foi
algo sentido não só pelos colegas ou os clientes da associação, mas, até na
papelaria, todos sentiram aquela alteração. Aliás, sempre que era perguntado
sobre essa sua mudança, Leandro mencionava o que para ele era uma nova visão de
mundo, uma nova filosofia de vida, e não perdia a oportunidade de contar as
suas vivências, incentivando que todos deveriam tirar um tempo em suas vidas
para se permitirem tal experiência. Em volta dele era comum se juntar uma turma
só para ouvir os seus relatos, sempre apoiados em vitórias e curas, e também em
fraternidade, solidariedade e gratidão de parte a parte, tanto de quem recebia,
quanto de quem se doava à causa. Ao final da narrativa, olhos brilhando, era
normal que a emoção tomasse a todos.
Curado da sua
depressão, que hoje ele admite ter vencido, Leandro tem uma bonita história de
vida, a partir das práticas e ações que delas frutificaram. Estão todas sempre
em mente. À mão, para que cada futura decisão sua seja tomada a partir daquilo
que testemunhou.
É para isso
que servem as filosofias. Para a sabedoria. Para a evolução do homem. Isso muda o mundo.
Por causa
dele, muitas vezes penso em ser voluntário em causas similares. Não sei se
tenho estrutura mental para tal empreitada. Ainda mais com crianças. Mas, como
ele diz, se a gente não tentar não vai descobrir.
Talvez Leandro
não saiba o tamanho da minha admiração por ele. Pelo homem que ele é. Pela
resiliência que ele teve e tem.
Perdi uma boa
oportunidade de falar tudo isso pra ele, quando da sua viagem de retorno à sua
terra “natal”, Portugal.
Que Deus te
ilumine e guarde, Nano.