Depois de
muito insistirem a filha concordou em deixar os netos na casa dos avós, enquanto
ela ia participar de um seminário que aconteceria justamente num sábado.
Compromissos
aos sábados são sempre complicados para os pais. Não tem escola, as crianças
estão com todo o gás pelo próprio fim de semana e, na prática, fica aquela
ansiedade pra chegar logo o dia e poder passar boas horas na casa dos vovôs já
que, sempre que vão lá, as visitas são um tanto rápidas, quase que de passagem,
entre uma saída e outra do shopping, do cinema ou de alguma festinha.
Os avós
estavam, há algum tempo, pressionando a filha e o genro sobre o assunto, já que
sempre que esses sábados surgiam a opção era normalmente deixar as crianças com
os outros avós, um pouco mais moços, o que os indignava ainda mais por estarem
impedidos de demonstrar, na prática, que eles poderiam ficar com os netos, sem
problema, mesmo tendo, digamos, só um pouco mais de idade do que os avós da genealogia
paterna.
E assim
foi. Concordando com o projeto dos avós, o planejamento da família estava em
curso bem antes, já na terça-feira anterior. E quando eu digo planejamento,
quero dizer separar os jogos, os brinquedos, as roupas e acessórios, os blocos
de desenho e os lápis de cor, com as canetas, claro, as máscaras, bolas,
espadas, chapéus e tudo o mais que se possa imaginar de um dia inteiro só de
brincadeiras na casa dos vôs.
Depois da
festa pela chegada do grande dia, no momento em que descarregavam as sacolas do
carro e iam empilhando tudo na sala, todos pararam par ouvir as recomendações
da mãe, que foram apenas três: comer direito, obedecer sempre e juntar todos os
brinquedos, tudo o que levaram, na hora de ir embora, pra não esquecer nada.
– Tem uns
remédios de alergia na mochila deles e qualquer coisa, qualquer emergência,
papai, pode ligar pro Álvaro. Ele vai me levar no seminário e, como é um pouco
longe, vai ficar por lá mesmo até acabar. Eu vou estar ocupada o dia todo,
então qualquer coisa pode ligar pra ele, ok?
Tudo
certo, tudo combinado, as mãos se esfregando nas palmas umas das outras e
pronto. Quando o carro desapareceu na esquina, ouviu-se um grito de uuhuuu que
ecoou pela casa toda.
No segundo
seguinte cada neto foi correndo buscar um brinquedo e o primeiro voltou com uma
espécie de tapete. Sob os olhos atentos da vó eles o desenrolaram, esticaram na
frente da tevê e de repente a imagem do tal tapete apareceu na tela. A menina
explicou que era tipo um tapete eletrônico. Então, disse que ia tocar uma
música e eles tinham que pisar nos círculos que iam acender, no ritmo da
música, simulando uma dança.
O avô
disse que já tinha visto aquilo uma vez, mas que não sabia como funcionava e por
isso ia ver primeiro os netos dançarem, pra depois se aventurar. Em poucos
minutos estavam todos se revezando no tal tapete, marcando os pontos, música
após música, e resfolegando na medida do possível, do jeito que dava. Os netos
não paravam de rir vendo o desequilíbrio da avó e a performance desajeitada do
avô.
Tinha também
uma bola, que eles pegaram no fundo da sacola, que fazia barulhos diversos quando
quicava e, com ela, eles criaram um pique, um pega-pega, mas arremessando a
bola. Todos corriam pela casa e quem estava com a bola tinha de acertar o
outro, que ficava com a mesma tarefa depois de ser alvejado. Os sons que abola
fazia eram realmente muito engraçados: ora era um mugido, outra um latido, uma
sirene, um ronco de avião e por aí vai. E toca de correr pela casa, sem destino,
fugindo da bola estridente.
É claro
que, de quando em sempre – construção frasal que só os avós vão entender – a
brincadeira dava uma parada pra todos tomarem um fôlego, uma água, um remedinho
pra pressão, um oxigênio hospitalar 100% puro, coisa básica, e logo tudo
recomeçava.
Quando se
entreolhavam, fosse no meio de uma carreira pela escada ou saindo pela porta da
cozinha, ambos os avós tinham a impressão de que o outro estava pedindo arrego,
que os olhos arregalados eram um sinal de socorro, uma parada pra ligar pro pai
e sugerir talvez um passeio de carro, um sorvete na beira-mar ou algo do
gênero, contando que não precisasse correr, pular, esticar ou abaixar.
Mas, no
minuto seguinte, voltava a reinar o pensamento de provar pra toda
a família que eles eram mais velhos, sim, mas não estavam mortos. E brincar com
os netos, no fundo, no fundo, era bom demais, uuhuuu...
A parada
pro almoço foi salvadora. Não só por baixar a adrenalina, mas por proporcionar
um tempo de espera reparadora. O fogão lá preparando tudo e eles desenhando,
conversando, finalmente sentados e quietos, graças a Deus.
Depois do
almoço um filme, uma pipoca, uma preguiça danada e a neta, de repente gritou:
– Vamos
brincar de pique esconde?
– Vamoooos
– respondeu o neto, pulando do sofá.
– Vamos,
vô, pique esconde não precisa correr tanto. É bem tranquilo e nem cansa.
O avô
olhou pra avó, sentiu que ela estava com pena dele, mas, no mesmo instante ela
suspendeu os ombros, como quem diz: nos salve o Nosso Senhor Jesus Cristo. Ao
que ele respondeu baixinho: Amém.
Enquanto a
vó fazia a contagem regressiva, os netos foram se esconder junto com o vô.
Coitado do vô. Entraram no quarto e o menino foi logo dizendo:
– Ali,
mana, se esconde dentro daquele armário. Vai.
E a irmã
subiu pelas gavetas e ficou quietinha, sentada na pilha de toalhas.
O menino então
deu uma olhada geral pelo quarto e decidiu:
– Vô, rápido,
vamos nos esconder debaixo da cama. Vem comigo.
– Não, eu
não consigo entrar debaixo da cama não, filho.
– Claro
que consegue, vô. A cama é alta. Eu te ajudo. Vamos?
– Faz
assim, você vai e eu fico ali atrás da porta.
– Mas, vô,
é que eu tenho medo de ficar sozinho ali debaixo. Entra comigo, entra!
E o avô
foi descendo, acolchoando o joelho com uma almofada, até conseguir deitar no
chão e se arrastar pra debaixo da cama. O neto era só felicidade. Às vezes,
ria, e abraçava o vô, como se espantasse todo o medo com a presença dele.
A sorte
foi que a avó, finalmente, entrou no quarto e achou todo mundo bem rapidinho,
cada um no seu esconderijo. Quando viu o vô debaixo da cama, ela logo previu o
perigo e tratou de convocar os netos pra que todos juntos o ajudassem a sair de
lá e a se levantar. Todo mundo segurando o vô, dando o braço como apoio,
Uuhuuu... aquilo foi uma festa. Menos para o vovô.
De
noitinha, quando os pais chegaram, cada neto queria contar qual foi a
brincadeira que mais tinha gostado, como foi o dia, o almoço, o filme, enfim,
tudo. A mãe ficou contente por tudo ter saído muito bem naquele dia e ainda
constatou nos pais um sentimento de orgulho, pelo fato de terem dado conta do
recado.
Por fim,
quem ficou mesmo satisfeito por ter passado aquele grande dia com os netos
foram os avós. Esses, mal cabiam em si de tanto contentamento. A prova disso é
que, já bem mais tarde, depois do jantar, os gritos de guerra voltaram a ecoar pela
casa, como que para celebrar aquele dia. Eles eram até bem parecidos com os
gritos que vibraram mais cedo, só que um pouquinho diferente, principalmente
quando vinha na voz do vô:
– Uuhuuuu...
ai que dor nas costas... Nem lembro mais quando foi a última vez que eu entrei
debaixo de uma cama. Ai que dor... ai as minhas costas!
– Uuhuuuu pra você também – respondeu a avó. – Agora espera aí, meu velho, que eu tô indo buscar o frasco de Arnica lá no banheiro.