Depois de
muito insistir, eu consegui convencer minha mãe a ir assistir comigo a um dos
eventos dos Jogos Panamericanos, que estavam sendo disputados no Rio de
Janeiro.
O público
desse tipo de evento, mesmo que o estádio seja o Maracanã, não é aquele dos jogos
de futebol. Reinava uma tranquilidade
geral no entorno do complexo esportivo. Algo, digamos, bem mais saudável do que
o normal, com mais crianças, mulheres, famílias inteiras inclusive.
Outro aspecto
interessante daquele Pan é que não havia torcida contrária, violenta ou tóxica.
Assim, mesmo quem não torcia para o Brasil vinha assistir com o espírito
olímpico, imbuído do mais legítimo fair play, que é o mínimo que se pode
esperar de alguém que, em algum tempo da vida, recebeu alguma educação.
No entorno do
Maracanã, naquela tarde, todo mundo cumprimentava todo mundo, falava com quem
não conhecia, um dava informação ao outro, indicava o local do assento, uma
maravilha. Em cada esquina, nas imediações do estádio, havia grupos de dança e
música se apresentando, confraternizando, fazendo referência a alguma região do
Brasil ou mesmo a algum outro país.
Além da minha
mãe, estávamos eu, minha irmã e meu filho. Quando a gente parou pra tirar fotos,
bem em frente ao maior ponto de encontro do Maracanã, a estátua do Bellini,
minha mãe avistou um rapaz com um enorme cartaz nas mãos. Era a entrada
principal e por isso estava mais cheia que as demais. Nós custamos a entender o
que estava escrito. Foi só mesmo depois, quando ele se virou que, finalmente, a
gente conseguiu visualizar toda a frase que dizia: “Abraços Grátis pelo PAN”.
Eu lembrei que
já tinha lido alguma coisa nos jornais sobre aquele movimento, que tinha sido
criado na Austrália, mas nunca tinha visto pessoalmente como aquela novidade se
desenvolvia. Para a minha mãe, entretanto, aquilo era pura mágica. Ela sempre
fazia questão de abraçar a gente, os filhos, os netos, os amigos, os amigos dos
filhos, e sempre dizia algo positivo sobre o gesto de abraçar: que era muito
bom pelas trocas de energias; que tirava a negatividade que ficava presa nos
corpos; que era um gesto de fraternidade entre as pessoas e que, em certas ocasiões,
era capaz de mudar até o estado de espírito e o humor.
Com tudo isso
aqui narrado, não preciso dizer que minha mãe foi a primeira a se manifestar ao
ver aquele cartaz.
– Claro que eu
vou lá abraçar o menino! Não tenham a menor dúvida.
Fomos. Não só
fomos acompanhá-la, como ainda ouvimos novamente todos aqueles motivos que ela
se divertia em elencar sobre os benefícios terapêuticos dos abraços. O menino,
por sua vez, ficou realizado por encontrar alguém que “entendia” o que era
aquela inovação e ainda confirmava a prática e tudo que ele mesmo receitava às
pessoas mais incrédulas.
Por pouco
minha mãe não desistiu de ver o jogo pra ficar ali com ele, a distribuir
abraços a torto e a direito. Ainda mais quando ele fez um histórico da
mobilização, dos eventos em outros países e pelo mundo afora. Aí ela teve mais
certeza ainda de que suas intuições tinham o respaldo de muito mais gente no
planeta.
Foi difícil a
gente se despedir do rapaz e entrar no estádio. Com muito custo achamos os
nossos assentos e pudemos presenciar o futebol feminino do Brasil ganhar a
medalha de ouro panamericana, com Marta e companhia dando show em campo.
Ao final,
demos uma volta pelas dependências do Maracanã, que tinha sido reformado para
os Jogos, e como estava tudo já meio vazio, ainda paramos pra comer um belo de
um cachorro-quente. Não me lembro quem iniciou a suspeita mas, ao voltar do
banheiro, alguém perguntou:
– Eu estou
doido de vez ou nós não tiramos uma única foto com o Marcelo, o garoto dos
abraços?
– É mesmo, acho
que não tiramos. Putz.
– Depois das
fotos, ali no Bellini, nós entramos direto. Estranho. E que pena!
Foi quando
minha mãe tratou logo de resolver a questão:
– Que pena
nada, gente. Vamos lá fora procurar o Marcelo que eu quero tirar uma foto com
ele.
Foi um tremendo
aperto no coração. Quando chegamos lá fora estava tudo já bem vazio. Nem
pipoqueiro, nem sorveteiro, nem o Marcelo dos abraços. Cada um foi até uma
esquina pra verificar, perguntar para algumas pessoas, e nada do rapaz. A gente
ficou triste, lamentando o esquecimento de tirar a foto? “Puxa vida”, disse
alguém. “Ninguém se deu conta”, lamentou outro.
Nesse ínterim
o Deco, meu filho, na intenção de levantar o astral de todos nós, pegou a
câmera e foi olhar as fotos que a gente tinha tirado até então. Tinha fotos em
frente ao Bellini, com a linda pira panamericana ao fundo, com os painéis dos mascotes,
além de outras tantas imagens que a gente fez dentro do estádio, durante o jogo
e também na hora da premiação. Ele mostrava as fotos na tela da câmera e a
gente ia olhando, meio sem animação.
Depois de um
tempo ali, passando as fotos pra frente e pra trás, de repente ele levantou
rápido os olhos e veio na minha direção. Com a tela da câmera virada pra mim ele
falou:
– Pai, olha
essa foto aqui que eu achei.
Eu olhei,
pisquei algumas vezes, esfreguei os olhos e mesmo assim não acreditei. Era a
foto da minha mãe com o rapaz dos abraços, o Marcelo. Os dois em pose, segurando
o cartaz de abraços grátis.
– Incrível!
– Ué, de onde
essa foto saiu?
Mostramos pra
minha mãe e ela disse um “como assim?”, meio sem jeito. Quando ouvimos isso todos
nós começamos a rir junto com ela, sem acreditar na imagem que a câmera
mostrava.
O fato é que
nenhum de nós lembrava daquela foto ou sequer sabe dizer quem a tirou.
É que a
felicidade pode estar nas grandes coisas da vida. Pode.
Mas também
pode estar na simplicidade de um abraço.
No abraço de
um desconhecido.
Em uma foto
achada ao acaso, sem explicação.
E pode estar
no sorriso da nossa mãe!