Por muito
custo, naquele ano minha mãe resolveu aceitar o meu convite de ir ver o
Carnaval. Não que ela não gostasse de Carnaval. Durante quase toda a sua
juventude os blocos do bairro ensaiavam quase que na frente da nossa casa. Além
disso, os bailes eram frequentes no subúrbio e ela e as amigas sempre
costumavam ir juntas.
Claro que, com
o passar do tempo, marido, os filhos, essa condição foi se modificando, “naturalmente”.
Mas a gente sabia que ela gostava mesmo era de estar perto das batucadas, das
serpentinas, o quanto fosse possível, como boa mangueirense que era.
Fui buscá-la
em casa e nem precisei recomendar nada. Foliã de responsa, ela trazia o mínimo
de documentos, um dinheirinho e uma toalhinha, tudo no fundo de uma minúscula
bolsinha à tiracolo. No caminho eu fui revelando que o nosso objetivo principal
era a famosa Banda de Ipanema. Ela titubeou sobre a quantidade de gente que sempre
acompanha esses blocos famosos, mas eu fui cuidando de a acalmar, dizendo que
iríamos ficar na periferia da Banda, pra poder ver tudo com tranquilidade sem
correr riscos desnecessários.
No bairro de
Ramos, onde a gente morava, tinha uma rua especialmente destinada aos grandes
eventos. Era a Rua das Missões. Ali passavam as grandes procissões dos santos
famosos, nas suas datas idem, inclusive as marchas eclesiais durante a liturgia
da Páscoa. Mas a Rua das Missões ficava realmente lotada, justamente no
Carnaval, quando os blocos, como Cacique de Ramos e Bafo da Onça ali desfilavam
e, para delírio das gerais, na terça-feira, tinha a apresentação da escola de
samba Imperatriz Leopoldinense, cuja sede fica no próprio bairro de Ramos.
Todas aquelas fantasias suntuosas que a gente só conhecia pela televisão, na
passagem da Imperatriz a gente podia ver bem de perto, em cada detalhe, junto
com cada evolução do passista que a vestia.
A única coisa
que eu tinha de recomendação era que a minha mãe ficasse bem próxima de mim. No
meio do tumulto, toda aquela gente junta, seria bem ruim se a gente se
separasse por algum motivo qualquer, o que provavelmente causaria um
sobressalto desnecessário naquela nossa diversão. Fora isso, era só aproveitar o
famoso bloco, um dos melhores do Carnaval, sem dúvida.
Internamente,
eu lembrava que era comum as Drags, as divertidas Drag Queens,
que sempre passavam por mim – e por todos os homens, principalmente os sem
fantasia – a emitir, digamos, galanteios os mais variados, pegando na minha
barba, dizendo que eu estava sumido, que a nossa filha estava com saudades, e
finalizando com o famoso gesto dos dedos polegar e mínimo estendidos, pedindo
que eu ligasse, e mandando um beijo sensual. De alguma maneira, mesmo sabendo
que essas troças eram muito legais, dentro das brincadeiras de Momo, eu não
sabia muito bem como a minha mãe ia entender aquilo, o que me dava uma certa
inquietação. Mas, vamos lá, afinal é Carnaval.
Então, em
plena Banda de Ipanema, cantando todas aquelas famosas marchinhas a plenos
pulmões, a gente, a cada hora, chamava a atenção um do outro pra cada nova diva
que surgia. Uma mais criativa e mais bem vestida que a outra. As maquiagens
também, todas lindas, compunham o luxo das caracterizações que iam de Marilyn
Monroe à Audrey Repburn, passando por Village People e Roberta Close no auge da
carreira.
Foi o tempo de
eu ir um pouco mais pro lado, pra comprar uma água, e logo vi a minha mãe
conversando com um ser carnavalesco, na lateral da Banda. A seguir ela subiu em
uma parte mais alta da calçada e foi ajudar a amarrar parte da roupa da tal
pessoa, refazendo um laço na parte de cima do corpete, atrás do pescoço. De
longe eu via que ela estava aos risos e toma de conversar com a famosa. Finda a
ajuda, as duas trocaram beijinhos histéricos, abraços efusivos e a fantasiada
voltou pro meio da bateria, dando tchauzinhos pra todos os lados.
Quando eu
cheguei perto minha mãe bebeu uns goles da água, como que a retomar o fôlego.
– Você viu
quem era aquela?
– Não tenho a
menor ideia. É sua amiga? Quer dizer, seu amigo?
– Nada. Era a
Marlene, a Rainha do Rádio, famosa cantora dos meus tempos de garota.
– Ah, sei, da
Rádio Nacional.
– Isso. Ela
passou por mim e eu perguntei “Onde está a Emilinha?” Ela disse: “está por aí, tentando
roubar a minha plateia, aquela diaba”. E deu uma risada alta. Depois me elogiou
por eu ter reconhecido a fantasia e perguntou se eu era fã da Emilinha. Eu falei
que gostava das duas, mas gostava mais das músicas da Marlene, que eram mais
alegres. Aí ela fez uma pausa e perguntou se eu podia dar uma ajuda.
– Ai meu Deus,
justo quando eu saio de perto.
– Nada, mas
foi numa boa. Aí se virou de costas e pediu pra eu amarrar a sua frente única,
que estava frouxa no pescoço. Só que eu não alcançava o raio do pescoço da
mulher. Você viu o tamanho dela?
– Sim, vi,
mais alta do que eu.
– Muito mais.
Aí eu vi aquela escadinha ali e levei a Marlene até lá e amarrei o troço.
Enquanto isso ela me perguntou com quem eu estava. Eu disse “com meu filho”.
– Vixe.
– Ela olhou em
volta e perguntou: “Qual a Drag dele? Onde ele está? Me mostra essa biba!”
Eu dei uma sonora risada e expliquei que você não estava fantasiado. Nem era Drag.
Aí foi a vez dela de rir alto, dizendo “mamãe não sabe de nada”. Nossa. Foi
hilário. A gente riu muito em pouquíssimo tempo.
– Eu vi, e
tudo isso enquanto eu ia ali pertinho. Foi só o tempo de comprar a água.
– Muito legal.
Essas Drags são muito divertidas. São mesmo o espírito do Carnaval.
Eu não sabia
se ria ou se abraçava a minha mãe, tamanho o meu contentamento por ver que ela
havia gostado de ter vindo ver a Banda de Ipanema. A princípio aflito por algo
que pudesse acontecer, com a chegada da Marlene, a Rainha do Rádio, a festa
ficou perfeita e completa para ela.
Cada vez que
eu presenciava a minha mãe contando aquele episódio pra alguém, eu só ficava de
longe apreciando. Era um prazer ver a alegria dela ao reviver a cena em todos
os seus detalhes. De vez em quando ela olhava pra mim e pedia que eu
confirmasse algo, como que para evitar que a pessoa tivesse a mínima
possibilidade de não acreditar.
Hoje, a minha
nostalgia de Carnaval é assistir a Estação Primeira evoluir na avenida e
lembrar da minha mãe.
Pois nunca
mais tive notícia de uma Marlene ou uma Emilinha a rivalizar pelos Cordões e
Fanfarras desse mundo de meu Deus.
Esse Rio de Janeiro da sua juventude e infância é sensacional. Parabéns pela crônica!
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