A novidade na
padaria aqui perto de casa era que os pastéis de banana, a partir daquela
semana, iam passar a ter a opção com doce de leite. Estava lá o aviso numa
plaquinha bem visível, perto da balança.
Antes disso,
eu jamais tive de me preocupar na hora de pedir os tais pastéis pois que eram
só de banana e era só dizer a quantidade e botar na cestinha. E punto e basta,
como dizem os italianos.
Mas na vida as
coisas simples não são tão simples assim, como sabemos. Principalmente quando
se trata de gente experiente – repare a sutileza –, tratando com gente que está
começando a vida e não sabe nada de nada; gente que não sabe minimamente que a
falta de uma mera indicação sobre doces e recheios pode pôr tudo a perder, aí a
questão fica, digamos, um pouco delicada – com a mesma sutileza acima.
O fato é que,
de frente para as duas bandejas de bananinhas – era esse o nome do nosso amigo
pastel de banana – qualquer cliente não tinha a indicação de qual era a pura
bananinha, a tradicional, a mais vendida, e qual a outra, a que trazia a
inovação do doce de leite. Eram duas bandejas idênticas, com bananinhas
idênticas, bem fritinhas, açucaradas, acaneladas, ali esperando que os seres
mortais adivinhassem qual delas tinha em seu interior o famigerado doce de
leite.
A pausa
necessária aqui vai desnortear o prezado leitor ou a prezada leitora e,
portanto, já me adianto em pedir que não me levem a mal por este pequeno desvio
de caráter: é que eu não gosto de doce de leite. Tampouco de chocolate. Mas,
ouso dizer, a vida tem sido normal pra mim dentro dessa anormalidade, já que
aos amigos eu rogo alguns minutos e logo angario o perdão deles sem qualquer ruptura,
ou esbregue, banzé, recacau ou bacafuzada. No final fica tudo bem, creiam.
Pois que,
voltando ao narratório, à cotidiana atividade de ir comprar bananinha, desde o
momento da famigerada inovação do capeta, pra mim somar-se-ia agora a
necessidade de dizer e redizer que a tal que eu queria é a tal que não tem doce
de leite. Ou seja, sem doce de leite. Ou melhor, a normal, que não tem o doce
dentro, redundantemente. E, mais, ao perguntar ao atendente, acrescia-se o
gesto de apontar a bandeja certa, perguntar de novo, requerer uma prudente
confirmação com alguém da produção, diga-se da fritura, e ainda por cima conferir
o sinal afirmativo com a moça da balança. Era esforço pra mais de
metro.
Alguns
episódios nessa padaria passaram a ser pitorescos. Uma vez a moça estava quase
fechando o pacote quando chegou uma atendente mais antiga, que já me conhecia,
e disse que estava tudo errado, tirou o saquinho da moça e trocou as bananinhas
pelas certas, do jeito que eu sempre pedia. E quando a menina pensou em dizer
que “era tudo a mesma coisa”, a atendente quase pulou no pescoço dela,
asseverando o desastre que seria me vender as bananinhas com doce de leite, já
que eu sempre pedia a comum, sem o doce, e sempre sublinhava que não gostava do
ingrediente recém-chegado.
A menina ficou
desajeitada com a bronca e disse um monocórdio “Tá bom, entendi. Vou prestar atenção
da próxima vez”, e saiu de fininho por trás do balcão.
Mas na vida as
coisas simples não são tão simples assim, como eu já escrevi ali atrás. Bem, o
fato é que, para a confirmação das regras, quando se alude à bendita exceção, é
nela que as questões ficam sujeitas a um rumo inesperado.
Pois foi num
belo dia que eu fui comprar bananinhas para levar pra minha cunhada. Minha
cunhada adora doce de leite. Na fila o rapaz da vez me viu e perguntou:
quantas? Não dava pra eu responder de longe, simplesmente, pois sabia que ele
sabia que eu queria, sempre, eu disse sempre, as sem doce de leite. Então eu
cheguei mais perto e expliquei:
– Olha meu
amigo, eu queria com doce de leite.
– Mas, como
assim? O senhor não gosta de doce de leite.
– Eu sei, mas,
é que essas eu vou levar pra outra pessoa, a minha cunhada, entende?
– Então hoje o
senhor vai querer com doce de leite?
– Isso. Isso
mesmo. Bananinha com doce de leite.
Enquanto ele
fechava a portinhola e abria a outra, ao lado, onde estava a bandeja correta para o
meu pedido, uma outra atendente chegou apressada.
– Ô Cassio,
essas são com doce de leite. Ele leva sempre sem doce. As dele estão ali na
outra porta.
– Não, ele
falou que dessa vez ele quer com doce de leite. Eu sei o que eu estou fazendo.
– Mas...
– Não tem
mas... Deixa comigo.
A menina me
olhou e eu, naturalmente sem jeito, expliquei bem rápido o que já tinha dito ao
outro rapaz. Ela, esperadamente, fez cara de “que gente doida essa que um dia
gosta de doce de leite e no outro não”, mas eu fingi que nem tinha lido o
pensamento dela e fiquei esperando o meu pote plástico, com a bananinha, ser
fechado.
Do corredor
que dá acesso à cozinha o piloto do fogão do mercado, que também já me conhecia
de tantas vezes fritar bananinhas novas quando as da bandeja estavam antigas,
surgiu com uma forma de pizza nas mãos. Me cumprimentou com os olhos e disse ao
outro rapaz:
– Cássio, vem
aqui dentro por favor. Eu preciso falar com você, urgente.
– Tô só
acabando aqui e já vou lá.
– Não, Cássio,
venha aqui. Agora.
– Vou entregar
essas bananinhas e...
– Não entregue
não. Essas aí são com doce de leite. Mas que raio, eu não chamei você ali
dentro?
– Olha, chefe,
eu sei o que o senhor ia falar. Mas foi o cliente que pediu essas com doce de
leite. Ele disse que não são pra ele e que a pessoa pra quem ele vai levar,
essa gosta de doce de leite.
– É isso
mesmo? – me inquiriu o chef com uns olhos arregalados por cima da
vitrine.
– Sim, meu amigo.
Dessa vez eu vou levar com doce de leite. Tá tudo certo, obrigado pela atenção.
O atendente
riu meio de lado e, vitorioso, me entregou o pote finalmente.
Na chegada ao
local de pesagem, a moça inspirou pra falar alguma coisa mas logo foi cortada
pela minha rápida aclaração de que eu já sabia que eram bananinhas com doce de
leite e tudo o mais que a gente já sabe.
Ela então
disse o que ninguém ali tinha dito antes:
– É que os
pasteizinhos, senhor, têm um sinal que indica qual é o recheio. Cada um tem uma
marquinha. Esse aqui tem a borda cortada, então é de banana com doce de leite.
Os que não têm esse corte são só de banana. Eu já ia perguntar se eram mesmo
essas que o senhor ia levar, pois vi o corte ali na borda.
Eu agradeci a
explicação e fiquei pensando que doce de leite é ruim.
E punto. E
basta!