sábado, 13 de dezembro de 2025

A Vassoura

 

Aquela troca de presentes, em plena noite de Natal, estava um tanto estranha. E ia ficar muito mais. Isso porque na hora em que a dona Estela foi abrir o seu presente, deu-se um silêncio incômodo, nada combinado entre as pessoas da família mas, de alguma forma, o ambiente estava inquieto.

Então, a matriarca identificou o seu amigo oculto, que era o seu genro. Alguns gritinhos de iupi surgiram tímidos na sala, elevando o grau da tensão. É verdade que, diante da revelação do presente do genro para a sogra, uma parte da família estava ali para, simplesmente, ver o circo pegar fogo. Quiçá até que a chama se alastrasse para a árvore e o coitado do Papai Noel, se bobeasse.

Ela abriu a caixa, tirou de dentro um outro embrulho e, ao cabo de alguns segundos, trouxe nas mãos uma estapafúrdia vassoura. Sim, uma vassoura de piaçava, sem o cabo naturalmente, pois que este estava guardado no fundo da cozinha.

Estranho foi que, ao mesmo tempo em que a família se preparava pra relacionar o presente como um notório utensílio de bruxa, algo natural na cultura vassourística, a dona Estela olhou os seus detalhes, minuciosamente, o material e, por fim, dá um enorme abraço na tal vassoura, como se fosse um presente caro, um desejo, algo estimado ou muito querido.

Toda contente, a sogra então chamou o genro pra perto e este também ganhou um efusivo abraço em agradecimento pela surpresa, diante de olhares incrédulos. Nem mesmo em um reality televisivo, desses comuns nos nossos tempos, as pessoas procuram com tanta vivacidade as câmeras escondidas a registrar as reviravoltas dos programas.

Era evidente que ninguém estava entendendo nada ali naquela sala. Na noite de Natal o genro dá de presente pra sogra uma vassoura de piaçava, com cabo de madeira crua, e ela ainda gosta do regalo e agradece com a maior gratidão! Não, alguma coisa aqui não bate. Definitivamente.

Corria o jantar, a ceia se desenrolando e aquela história ainda teimava em se contorcer na cabeça da família. Os demais agregados, que ocupavam a mesma categoria do genro mencionado, olhavam de lado pro coitado, desaprovando a petulância, o atrevimento daquela brincadeira em pleno Natal. E logo com a matriarca!

Foi quando ela se levantou na cabeceira da mesa e, ao invés de proferir o seu previsível discurso anual, no qual alertava que aquele poderia ser o seu último ano celebrando o Natal com todos, dona Estela tomou um gole de vinho e pediu a palavra:

– Antes da minha saudação de Natal, que faço todos os anos nessa mesma mesa e que pode ser esta a minha derradeira ocasião, é preciso esclarecer algo que muitos aqui consideraram inusitado, pra dizer o mínimo. Quando eu vim morar em Florianópolis muitas etapas de adaptação foram necessárias. Em todos os sentidos. A maioria de vocês sabe muito bem a falta que me faz o Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Entre essas adaptações, necessárias para uma nova etapa da vida, havia uma em especial que era que aqui não se vende as ótimas vassouras de piaçava que no Rio a gente encontra em qualquer esquina. Não há vassoura melhor do que as de piaçava. Não mesmo. Foi por esta razão que eu fiquei muito sensibilizada com o presente que ganhei hoje, pois era uma coisa que eu queria, que eu sempre reclamava e que ninguém providenciava. Agora, pronto, o meu genro me deu uma e eu estou feliz da vida. Dito e explicado, vamos então brindar à nossa saúde, à Paz, ao entendimento entre as pessoas e ao nosso Natal. Muito obrigado, meu genro, pelo presente. Deus te dê o céu!

No início envergonhado, o genro logo se viu emocionado com o agradecimento público da sogra. Mas com as brincadeiras que se seguiram o clima de amizade voltou a dar o tom daquela ceia. Claro que, a todo momento alguém perguntava se a dona Estela ia fazer um sobrevoo na avenida beira-mar, ou se ela podia ir voando comprar mais cerveja. E diante das risadas, sempre tinha alguém a propor um outro brinde.

Essa história da vassoura sempre vem à lembrança nessa época de Natal. Às vezes surge com imagens mais nítidas e diálogos memoráveis. Outras, nem tanto. Mas a sensação que fica é sempre boa, de uma saudade cheia de Paz e de muita admiração e amizade.

Principalmente para o genro.

Eu seria capaz de jurar.

 


Um comentário:

  1. Uma vassoura tá fazendo falta é pra varrer este congresso inimigo do povo. (Lengo)

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