Aquela troca
de presentes, em plena noite de Natal, estava um tanto estranha. E ia ficar
muito mais. Isso porque na hora em que a dona Estela foi abrir o seu presente,
deu-se um silêncio incômodo, nada combinado entre as pessoas da família mas, de
alguma forma, o ambiente estava inquieto.
Então, a
matriarca identificou o seu amigo oculto, que era o seu genro. Alguns gritinhos
de iupi surgiram tímidos na sala, elevando o grau da tensão. É verdade
que, diante da revelação do presente do genro para a sogra, uma parte da
família estava ali para, simplesmente, ver o circo pegar fogo. Quiçá até que a
chama se alastrasse para a árvore e o coitado do Papai Noel, se bobeasse.
Ela abriu a
caixa, tirou de dentro um outro embrulho e, ao cabo de alguns segundos, trouxe
nas mãos uma estapafúrdia vassoura. Sim, uma vassoura de piaçava, sem o cabo
naturalmente, pois que este estava guardado no fundo da cozinha.
Estranho foi
que, ao mesmo tempo em que a família se preparava pra relacionar o presente como
um notório utensílio de bruxa, algo natural na cultura vassourística, a
dona Estela olhou os seus detalhes, minuciosamente, o material e, por fim, dá um
enorme abraço na tal vassoura, como se fosse um presente caro, um desejo, algo
estimado ou muito querido.
Toda contente,
a sogra então chamou o genro pra perto e este também ganhou um efusivo abraço
em agradecimento pela surpresa, diante de olhares incrédulos. Nem mesmo em um
reality televisivo, desses comuns nos nossos tempos, as pessoas procuram com
tanta vivacidade as câmeras escondidas a registrar as reviravoltas dos
programas.
Era evidente que
ninguém estava entendendo nada ali naquela sala. Na noite de Natal o genro dá
de presente pra sogra uma vassoura de piaçava, com cabo de madeira crua, e ela
ainda gosta do regalo e agradece com a maior gratidão! Não, alguma coisa aqui
não bate. Definitivamente.
Corria o
jantar, a ceia se desenrolando e aquela história ainda teimava em se contorcer
na cabeça da família. Os demais agregados, que ocupavam a mesma categoria do
genro mencionado, olhavam de lado pro coitado, desaprovando a petulância, o
atrevimento daquela brincadeira em pleno Natal. E logo com a matriarca!
Foi quando ela
se levantou na cabeceira da mesa e, ao invés de proferir o seu previsível discurso
anual, no qual alertava que aquele poderia ser o seu último ano celebrando o
Natal com todos, dona Estela tomou um gole de vinho e pediu a palavra:
– Antes da
minha saudação de Natal, que faço todos os anos nessa mesma mesa e que pode ser
esta a minha derradeira ocasião, é preciso esclarecer algo que muitos aqui
consideraram inusitado, pra dizer o mínimo. Quando eu vim morar em
Florianópolis muitas etapas de adaptação foram necessárias. Em todos os
sentidos. A maioria de vocês sabe muito bem a falta que me faz o Teatro
Municipal do Rio de Janeiro. Entre essas adaptações, necessárias para uma nova
etapa da vida, havia uma em especial que era que aqui não se vende as ótimas
vassouras de piaçava que no Rio a gente encontra em qualquer esquina. Não há
vassoura melhor do que as de piaçava. Não mesmo. Foi por esta razão que eu
fiquei muito sensibilizada com o presente que ganhei hoje, pois era uma coisa
que eu queria, que eu sempre reclamava e que ninguém providenciava. Agora,
pronto, o meu genro me deu uma e eu estou feliz da vida. Dito e explicado, vamos então brindar à nossa saúde, à Paz, ao entendimento entre as pessoas e ao nosso
Natal. Muito obrigado, meu genro, pelo presente. Deus te dê o céu!
No início
envergonhado, o genro logo se viu emocionado com o agradecimento público da
sogra. Mas com as brincadeiras que se seguiram o clima de amizade voltou a dar
o tom daquela ceia. Claro que, a todo momento alguém perguntava se a dona
Estela ia fazer um sobrevoo na avenida beira-mar, ou se ela podia ir voando
comprar mais cerveja. E diante das risadas, sempre tinha alguém a propor um
outro brinde.
Essa história
da vassoura sempre vem à lembrança nessa época de Natal. Às vezes surge com
imagens mais nítidas e diálogos memoráveis. Outras, nem tanto. Mas a sensação
que fica é sempre boa, de uma saudade cheia de Paz e de muita admiração e
amizade.
Principalmente
para o genro.
Eu seria capaz
de jurar.
Uma vassoura tá fazendo falta é pra varrer este congresso inimigo do povo. (Lengo)
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