A
chegada aos aeroportos do Rio de Janeiro é sempre confusa. Da fila das
bagagens, ainda dentro da área restrita, até a fila do táxi tudo gera em mim, e
acho que em muitas pessoas, uma sensação de ansiedade e de aflição que nos faz querer,
o mais rápido possível, sair daquele cenário de caos.
Só que quando a gente acha que está livre, finalmente em calma, vem o trânsito completamente caótico da cidade maravilhosa a nos demonstrar que todas as alterações de sentidos das ruas, os sinais em harmoniosa dessincronização, a quantidade de guardas de trânsito apitando em pleno engarrafamento, tudo aquilo existe para o simples propósito de deixar a sua vida uma completa mixórdia.
Outro
dia eu estava no aeroporto, numa dessas situações. Trazia eu apenas uma mochila
e tentava descobrir onde encontrar um atalho para que eu pudesse, em poucos
minutos, estar a salvo dentro de um táxi. De repente, saindo da área onde ficam
as filas, notei que um táxi acabava de deixar um passageiro, coisa rara, pois
ali era uma área de desembarque e a maioria dos táxis deixavam as pessoas do outro
lado, no embarque, com o propósito de irem viajar. Bem, de qualquer modo eu
perguntei ao motorista se ele poderia me levar, ele assentiu e eu entrei no
carro.
De
pronto eu notei que ele não tinha rádio comunicador, aquele aparelho que o liga
a uma central e que a todo momento a gente escuta uma voz chamando para pegar
passageiros variados, em locais idem. Que bom, pensei, aquilo é um estresse. E
no silêncio daquela corrida eu pude até ouvir a boa música que tocava.
O
trânsito não estava de todo ruim e o motorista pareceu gostar de eu não estar
indo para o Centro e sim para o subúrbio, onde mora a minha mãe. Considerando
que o trânsito lá para aquelas bandas é mesmo estressante, eu puxei a conversa:
–
Se fosse pro Centro seria bem mais complicado, né?
–
Olha, a gente não pode escolher passageiro e nem a corrida. Mas realmente eu
não gosto de ir pro Centro mesmo. As pessoas, os motoristas sabem o que vão
encontrar lá, mas mesmo assim se estressam, se xingam, uns fecham a passagem
dos outros, uma loucura. Quando posso eu prefiro nem passar por lá.
O
papo então transitou pela necessidade das grandes obras pelas quais o Rio está
passando, desde a Copa até as Olimpíadas, em 2016, e tudo que estes
planejamentos não planejados estão causando no dia a dia da cidade: um
cotidiano insano, uma fábrica de loucos em larga escala.
Foi
então que o motorista, um ator obrigatório e totalmente envolvido no caos
daquela cidade grande, me confidenciou algumas de suas estratégias para não ser
levado à máquina maldita que compromete o juízo de quase todos os cariocas.
– O
sr. sabe que eu tenho as minhas opções. A gente tem que se preservar, né? Por
exemplo, eu digo ao sr. que eu não trabalho às segundas-feiras. O caos é total,
as pessoas estão sempre apressadas, atrasadas e aí, o trânsito enrolado, sobra
pro motorista. Eu notei isso e resolvi que não trabalho mais às segundas.
Eu
comecei a me lembrar de quando morava no Rio, de como era difícil atravessar a
Avenida Brasil às segundas-feiras e como realmente eu sempre chegava atrasado e
mal-humorado ao trabalho nesses dias. Pensei que se eu pudesse fazer como ele,
optaria por não estar no caos das segundas-feiras, da mesma forma, e custei a
entender que o caso não era só em relação àquele dia, pois eu estava na verdade
diante de um filósofo do cotidiano, um pensador, um cara zen, experiente e
equilibrado, um sábio da modernidade.
–
Se eu posso evitar algo que me prejudica, eu faço – começou ele. Se tem uma
coisa que eu sei que me aborrece, que me incomoda, eu evito aquilo. Se tem
colegas da praça que dirigem com violência, desafiando os espaços nas ruas, eu
nem entro nessa, dou passagem na boa e ainda digo Amém. A gente tem de procurar
coisas positivas, coisas boas. O diabo dá as ruins. Então, eu evito me
estressar antes que isso se torne algo inevitável. Eu saio antes de acontecer.
Seja por caminhos melhores aqui ao volante, seja por gestos fraternos com os
passageiros, seja pela paciência com os familiares, filhos e colegas de
trabalho. Até ao ponto de trabalhar sábado, simplesmente pra evitar a maldição
da segunda-feira. E depois de trabalhar, ainda vou com a minha senhora ao
supermercado. Levo a minha cervejinha pra casa e tomo com ela, enquanto sai um
feijão “exxperto”.
Esperto
é aquele que diz que os cariocas são um povo feliz, que sabe viver. Eu conheci
um carioca assim. Numa bela tarde de quinta-feira.