A
primeira vez que eu fui a São Lourenço eu era tão novo que ainda curtia a minha
primeira barba. Com uma coloração meio ruiva, eu achava que ela mal podia ser
notada e, assim, nunca tinha decidido deixá-la crescer a um ponto que pudesse
ser vista.
São
Lourenço, uma cidade pequena de Minas Gerais, famosa pelo seu parque de águas
medicinais, já foi um grande destino turístico do Brasil que conseguia aliar a
comida mineira e um cenário calmo e bucólico, ótimo para famílias e, principalmente,
crianças.
Assim
que cheguei à cidade e estacionei no hotel, de tardinha, aproveitei o sono do
meu filho, que tinha uns dois anos e dormia com a mãe, e fui dar uma avaliada
na barbearia que tinha avistado, logo ali, perto de uma pracinha. A barba,
mesmo ralinha e falhada, já estava me incomodando um pouco e eu achei que era
hora de raspá-la no barbeiro, como manda o figurino.
Os
três barbeiros, com seus jalecos brancos, cada um com um caderno do jornal na
mão, conversavam animadamente na porta da barbearia quando eu cheguei. Como
estava tudo vazio, sentei na cadeira e um deles entrou pra me atender, deixando
os dois outros lá fora. Quando colocou o avental em volta de mim eu disse:
-
Queria tirar a barba, que já está me incomodando.
-
Qual barba? – respondeu o homem, dando uma risadinha e chamando os outros dois.
Quando
chegaram perto ele repetiu, rindo:
- O
menino quer fazer a barba.
- Qual
barba? – emendaram os dois, como se tudo fosse combinado.
-
Cheia assim, vai dar um trabalhão – acercou o primeiro.
- É
brincadeira – adiantou o outro.
- A
gente gosta de brincar com os cariocas – explicou o terceiro.
Todo
o tempo que eu fiquei ali fazendo a barba só ouvi piadas e causos, típicos de
mineiros, e quase todos tinham algo a ver com cariocas. Minha sensação foi de que,
não fosse eu ali, aquele dia seria de tédio total para aqueles barbeiros. Mais
tarde, já voltando para o hotel, pensando na cidade, nas águas do parque, nas
suas propriedades medicinais e curativas, na disposição daqueles barbeiros pra
tirar sarro de todo mundo, eu disse comigo mesmo:
-
Deve ser aquela água – e comecei a rir sozinho.
No
dia seguinte, um belo domingo, estava eu dentro do parque com a família quando
notei uma turma de velhinhos, fazendo a maior algazarra. Era uma pista de
bocha, muito concorrida por sinal, onde estava tendo uma espécie de campeonato.
As equipes eram mistas, com senhorinhas faceiras e senhores distintos, todos
muito bem trajados. A disputa era animada e contava com os incentivos das
torcidas, cujos, digamos, brados ecoavam por todo o parque.
Quando
eu cheguei mais perto da pista, pude ver como eram organizadas as equipes. Cada
time tinha o seu pessoal de apoio, pessoas que auxiliavam os jogadores com utensílios,
toalhas, bonés, ajudavam no alongamento e até davam lanchinhos, além é claro de
oferecer quase sempre as conhecidas garrafas d’água, algumas até com a marca do
próprio parque.
Em
uma das equipes estava lá o tal barbeiro do dia anterior. Chegamos a nos ver e
eu até ia acenar, mas ele estava jogando e, afinal, eu não quis atrapalhar.
Fiquei ali olhando o jogo e a disputa, que ficava cada vez mais acirrada, com a
torcida empenhada em empurrar o time.
Finda
a sua partida o barbeiro, de repente, apareceu do meu lado. Nos cumprimentamos
e eu, cordialmente, elogiei o torneio, a disposição dos jogadores, o empenho
das torcidas e mencionei a sorte que devia ser ter as águas medicinais por
perto, pois que devia ser uma coisa boa beber durante o jogo algo energético e
saudável.
-
Mas que água, nada. Esse pessoal aqui não bebe dessa água não – e ficou uns
longos minutos olhando a minha fisionomia, até ter certeza de que eu tinha
entendido. Depois voltou pra pista.
E
eu entendi, finalmente. Um tanto confuso, é verdade, rememorando uns lances do jogo, como num
filme, enquanto o barbeiro se afastava. Bem que eu tinha achado estranho –
pensei comigo – que antes do lançamento, cada jogador tomava um gole. E a torcida
levando as garrafinhas de água aos jogadores justamente na hora que eles iam
fazer o lançamento, como para incentivar. Realmente, era tudo muito inusitado.
Na verdade,
foi daí que eu percebi que enquanto todos os visitantes entravam na estância com
suas garrafas vazias e saíam com elas cheias da água do parque, os velhinhos
faziam justamente o contrário, alegres e cheios de saúde.
Nem
sulfurosas, nem magnesianas. Que ferruginosas, que nada!
E
saí dali balançando a cabeça e empurrando o carrinho de bebê:
-
Eu sabia que era aquela água.