Não
faz muito tempo, as ligações na internet eram feitas por meio de linhas
telefônicas. Era a internet discada. Meu filho Daniel tinha uma linha só pra
isso. Primeiro para deixar o outro telefone da casa desocupado para a sua
função principal, as ligações telefônicas. Depois porque entrar na rede era
demorado mesmo e a conexão era de baixa velocidade, uma coisa que pedia mesmo
uma linha telefônica exclusiva pra não ocupar por muito tempo o telefone.
Um
dia ele ganhou uma secretária eletrônica e a ideia de gravar aquela mensagem do
tipo “deixe o seu recado” foi se desenvolvendo aos poucos, claro, instigando a
sua criatividade, o que era típico dele. Chamou o amigo Kiwi, cujo nome
verdadeiro eu não me lembro agora, e os dois gravaram a tal mensagem, bem original
por sinal, que simulava uma conversa e nem parecia uma gravação. Até as pausas
eles cuidaram de deixar para que a simulação fosse bem real.
Era
assim: o Kiwi atendia a ligação e dizia “alô, quer falar com o Daniel?”, e dava
uma pausa. Em seguida dizia “peraí que eu vou chamar” e gritava fora do fone
“Daniel, é pra você”. De longe, o Daniel gritava “quem é?” E o outro: “não sei
não”. E em resposta ele falava: “Diz que eu não estou”, mas de modo que do
outro lado da linha a pessoa ouvisse isso. Então o Kiwi voltava pro telefone e
dizia: “Ó, o Daniel não está, não”. Nova pausa e aí ele finalizava com o
conhecido “depois do bip deixe o seu recado”.
Foi
um sucesso só. Na escola dele não se falava em outra coisa. Todo mundo ligava
pra ele só pra ouvir a tal mensagem e alguns deixavam recado simplesmente
elogiando, dizendo que estava muito boa, que os dois dariam ótimos roteiristas
etc. Na família também todos gostaram da brincadeira. Tios e primos, os
verdadeiros e os postiços, os amigos do prédio, todo mundo se divertiu com a
tal mensagem deles. O impulso que a gente tinha de dizer que ouviu a voz do
Daniel e que não caía na história de que ele não estava em casa era o mais
legal de tudo. Este ímpeto só acabava quando a gente ouvia o deixe o seu
recado. Só aí a gente entendia.
Enfim,
tudo ia bem até que um dia o avô ligou. Eu estava chegando na casa dele e o
encontrei transtornado, com o rosto vermelho, aos gritos, vociferando que o
amigo do Daniel não chamava ele no telefone e dizia que ele não estava. E
contava pra mim, explicando:
-
Mas eu sei que ele estava em casa. Eu ouvi o Niel gritando pra dizer que não
estava! Mas não pra mim. Que absurdo! Ele está em casa sim e esse guri tem que
chamar ele pra falar com o avô, droga. Eu sou o avô dele, caramba!
Vendo-o
nervoso com a ligação e com a gravação, foi nesse instante que a minha ficha
caiu que ele não estava entendendo nada daquilo. Eu não sabia se ria, o que o
deixaria ainda mais irritado, ou se tentava explicar, algo que naquela hora
parecia impossível. Então eu pedi pra eu mesmo ligar pra ver o que era aquilo e
a partir daí eu explicaria tudo pra ele, como se eu também não conhecesse antes
a tal mensagem zombeteira.
Então
eu mesmo disquei, ouvi tudo do lado dele e comecei a mostrar que tudo era uma
gravação, que era uma secretária eletrônica, que ele devia prestar atenção e
perceber que sempre se repetiam as mesmas falas. Aí, liguei uma segunda vez
pedindo pra ele ouvir com cuidado, e eu ia repetindo o que o Daniel falava e
ainda adiantava aquilo que o Kiwi ia responder.
Em
seguida eu contei que já sabia da secretária eletrônica e que os amigos da
escola adoraram a tirada de sarro dele; que muitos caíram nessa brincadeira de
responder a uma gravação e depois, quando entendiam a pegadinha, só riam... e
acabavam achando maneiro também. “Essa turma dele adora ficar um zoando o
outro”, eu disse.
Mais
calmo, meu pai ficou pensativo, quieto. A mim parecia que ele estava tentando
relembrar a gravação e de repente ele pediu pra ligar de novo. “A última vez”,
disse. Então a gente ligou junto, dessa vez com outro ânimo, pra rir junto
talvez. Ele ouviu a mensagem rindo e balançando a cabeça, como que entendendo
finalmente a troça, e depois perguntou se “aquela parte do bip era a hora que
as pessoas deixavam o recado, né?” E eu disse que sim, que era como nas
mensagens normais, só que nesse caso as falas eram um pouco diferentes, mas no
fundo era tudo igual.
Ele
meneou-se, ficou um pouco em silêncio, riu meio de lado e ao final disse:
- É
inteligente esse puto!
O
elogio mais elogioso do meu pai era dizer que a pessoa era inteligente. O que
ele mais fazia era ressaltar a inteligência de alguém. Pra ele isso era a coisa
mais importante. Talvez por ele só ter frequentado a escola até a quarta série
primária; talvez porque o mundo dele fosse feito mesmo de muitas coisas que ele
não conseguia entender muito bem, enfim. Mas dessa vez eu só podia mesmo
concordar.
- É
pai, esse puto é mesmo inteligente.