quinta-feira, 21 de maio de 2015

A Secretária Eletrônica


Não faz muito tempo, as ligações na internet eram feitas por meio de linhas telefônicas. Era a internet discada. Meu filho Daniel tinha uma linha só pra isso. Primeiro para deixar o outro telefone da casa desocupado para a sua função principal, as ligações telefônicas. Depois porque entrar na rede era demorado mesmo e a conexão era de baixa velocidade, uma coisa que pedia mesmo uma linha telefônica exclusiva pra não ocupar por muito tempo o telefone.
Um dia ele ganhou uma secretária eletrônica e a ideia de gravar aquela mensagem do tipo “deixe o seu recado” foi se desenvolvendo aos poucos, claro, instigando a sua criatividade, o que era típico dele. Chamou o amigo Kiwi, cujo nome verdadeiro eu não me lembro agora, e os dois gravaram a tal mensagem, bem original por sinal, que simulava uma conversa e nem parecia uma gravação. Até as pausas eles cuidaram de deixar para que a simulação fosse bem real.
Era assim: o Kiwi atendia a ligação e dizia “alô, quer falar com o Daniel?”, e dava uma pausa. Em seguida dizia “peraí que eu vou chamar” e gritava fora do fone “Daniel, é pra você”. De longe, o Daniel gritava “quem é?” E o outro: “não sei não”. E em resposta ele falava: “Diz que eu não estou”, mas de modo que do outro lado da linha a pessoa ouvisse isso. Então o Kiwi voltava pro telefone e dizia: “Ó, o Daniel não está, não”. Nova pausa e aí ele finalizava com o conhecido “depois do bip deixe o seu recado”.
Foi um sucesso só. Na escola dele não se falava em outra coisa. Todo mundo ligava pra ele só pra ouvir a tal mensagem e alguns deixavam recado simplesmente elogiando, dizendo que estava muito boa, que os dois dariam ótimos roteiristas etc. Na família também todos gostaram da brincadeira. Tios e primos, os verdadeiros e os postiços, os amigos do prédio, todo mundo se divertiu com a tal mensagem deles. O impulso que a gente tinha de dizer que ouviu a voz do Daniel e que não caía na história de que ele não estava em casa era o mais legal de tudo. Este ímpeto só acabava quando a gente ouvia o deixe o seu recado. Só aí a gente entendia.
Enfim, tudo ia bem até que um dia o avô ligou. Eu estava chegando na casa dele e o encontrei transtornado, com o rosto vermelho, aos gritos, vociferando que o amigo do Daniel não chamava ele no telefone e dizia que ele não estava. E contava pra mim, explicando:
- Mas eu sei que ele estava em casa. Eu ouvi o Niel gritando pra dizer que não estava! Mas não pra mim. Que absurdo! Ele está em casa sim e esse guri tem que chamar ele pra falar com o avô, droga. Eu sou o avô dele, caramba!
Vendo-o nervoso com a ligação e com a gravação, foi nesse instante que a minha ficha caiu que ele não estava entendendo nada daquilo. Eu não sabia se ria, o que o deixaria ainda mais irritado, ou se tentava explicar, algo que naquela hora parecia impossível. Então eu pedi pra eu mesmo ligar pra ver o que era aquilo e a partir daí eu explicaria tudo pra ele, como se eu também não conhecesse antes a tal mensagem zombeteira.
Então eu mesmo disquei, ouvi tudo do lado dele e comecei a mostrar que tudo era uma gravação, que era uma secretária eletrônica, que ele devia prestar atenção e perceber que sempre se repetiam as mesmas falas. Aí, liguei uma segunda vez pedindo pra ele ouvir com cuidado, e eu ia repetindo o que o Daniel falava e ainda adiantava aquilo que o Kiwi ia responder.
Em seguida eu contei que já sabia da secretária eletrônica e que os amigos da escola adoraram a tirada de sarro dele; que muitos caíram nessa brincadeira de responder a uma gravação e depois, quando entendiam a pegadinha, só riam... e acabavam achando maneiro também. “Essa turma dele adora ficar um zoando o outro”, eu disse.
Mais calmo, meu pai ficou pensativo, quieto. A mim parecia que ele estava tentando relembrar a gravação e de repente ele pediu pra ligar de novo. “A última vez”, disse. Então a gente ligou junto, dessa vez com outro ânimo, pra rir junto talvez. Ele ouviu a mensagem rindo e balançando a cabeça, como que entendendo finalmente a troça, e depois perguntou se “aquela parte do bip era a hora que as pessoas deixavam o recado, né?” E eu disse que sim, que era como nas mensagens normais, só que nesse caso as falas eram um pouco diferentes, mas no fundo era tudo igual.
Ele meneou-se, ficou um pouco em silêncio, riu meio de lado e ao final disse:
- É inteligente esse puto!
O elogio mais elogioso do meu pai era dizer que a pessoa era inteligente. O que ele mais fazia era ressaltar a inteligência de alguém. Pra ele isso era a coisa mais importante. Talvez por ele só ter frequentado a escola até a quarta série primária; talvez porque o mundo dele fosse feito mesmo de muitas coisas que ele não conseguia entender muito bem, enfim. Mas dessa vez eu só podia mesmo concordar.
- É pai, esse puto é mesmo inteligente.