terça-feira, 5 de maio de 2015

A Sobrinha


Quando soube que estava grávida, Renata juntou toda a família pra contar a novidade. Era um domingo festivo, daqueles de família reunida e todos já estavam mais ou menos esperando pela notícia, pois o assunto era recorrente desde o casamento, ocorrido dois anos antes.
Mas enfim, com todas as manifestações subsequentes, os votos de felicidades e de bom parto se seguiram por todos os componentes daquela grande família, cada um mais emocionado que o outro. Um a um todos falaram da alegria que era a notícia da chegada do mais novo bebê.
No meio dessa cena previsível, surge Simone, imprevisível, sete anos, a sobrinha predileta da grávida Renata. Ela estava no quarto brincando com os primos e, com o vozerio da sala, todos foram correndo ver o que estava acontecendo. Então, quando as coisas estavam voltando quase completamente à calmaria, Simone atravessa a sala em direção à tia e pergunta diretamente, sem rodeios:
- Tia, o seu neném tem pé?
A surpresa de todos, o silêncio incômodo, um misto de riso nervoso com preocupação, tudo junto reagiu igualmente em todos ali naquele ambiente.
- Ora, claro que o neném tem pé. Como não ia ter? – respondeu a futura mamãe, com um sorriso automático.
A cunhada de Renata, mãe da Simone, acudiu rapidamente puxando a menina:
- Mas que coisa é essa? De onde você tirou essa ideia, minha filha?
- Criança tem cada uma – disse o pai.
Passadas algumas semanas, a primeira ultrassonografia de Renata não teve as célebres perguntas do tipo está tudo bem, ou tudo normal, ou mesmo já dá pra ver o sexo? Nada disso. A primeira pergunta da mãe foi:
- Doutor, o neném tem algum problema nos pés? O senhor pode verificar?
E foi assim em todos os exames. A menina, por sua vez, sempre que encontrava a tia, chegava perto da barriga, acariciava e de repente vinha com a mesma pergunta se o neném tinha pé, fazendo com que as pessoas aumentassem a preocupação, cada vez mais sugestionadas por aquela frase estranha da menina Simone.
No trabalho do marido, no cursinho da mãe, no prédio dos avós, na padaria onde os tios tomavam café, todos que conheciam a história só se preocupavam em saber se algum exame havia detectado algum problema no pé do tal neném da dona Renata. O assunto já era uma compulsão nos lugares comuns de convivência e mesmo com as negativas dos médicos, com as comprovações dos inúmeros exames, todos achavam que algo estranho ainda haveria de ser descoberto no bebê, e tudo por causa da pergunta insistente da sobrinha.
O fato é que quando o pai avisou do rompimento da bolsa amniótica, e que estavam já no hospital em pleno trabalho de parto, aquelas perguntas sobre o pé da criança eram as mais ouvidas. Cada parente que repassava a notícia do parto próximo tinha de responder antes sobre o pé do bebê, pois todos queriam saber só do pé, antes mesmo do tipo de parto, das dores da mãe, da anestesia ou da dilatação.
O porteiro do prédio se apressou em justificar pra síndica que tinha estado fora da portaria por um tempo porque estava justamente ajudando a descer as coisas da dona Renata e tinha ido levar a mala dela até o carro do marido, que veio do trabalho, apressado, buscar a mulher.
- Que Renata? A do 405? A professora?
- Sim, essa mesma. A do pé do neném – explicou o porteiro, para o pronto entendimento da síndica.
Uma amiga da Renata - que foi quem me contou toda a história - disse que na maternidade a diversão dela era ver como as pessoas tentavam disfarçar quando chegavam perto do berço e davam um jeito de levantar a manta pra ver os pés da neném, mesmo que dentro das meias. Algumas chegavam a olhar pros lados e, a depender de ter ou não gente olhando, pegavam nos dois pés da recém-nascida como que para comprovar, por si mesmas, que os pés estavam lá, mesmo se isso significasse atrapalhar o sono quieto e calmo da coitada da neném.
No fim das contas, todas as vezes que eu contei esta mesma história, ao final dela, quando eu dava o conto por encerrado, as pessoas faziam uma pausa e lascavam a fatídica pergunta:
- Mas enfim, o neném tinha pé ou não? – e começávamos a rir todos juntos.