Quando
soube que estava grávida, Renata juntou toda a família pra contar a novidade.
Era um domingo festivo, daqueles de família reunida e todos já estavam mais ou
menos esperando pela notícia, pois o assunto era recorrente desde o casamento, ocorrido
dois anos antes.
Mas
enfim, com todas as manifestações subsequentes, os votos de felicidades e de bom
parto se seguiram por todos os componentes daquela grande família, cada um mais
emocionado que o outro. Um a um todos falaram da alegria que era a notícia da
chegada do mais novo bebê.
No
meio dessa cena previsível, surge Simone, imprevisível, sete anos, a sobrinha
predileta da grávida Renata. Ela estava no quarto brincando com os primos e,
com o vozerio da sala, todos foram correndo ver o que estava acontecendo.
Então, quando as coisas estavam voltando quase completamente à calmaria, Simone
atravessa a sala em direção à tia e pergunta diretamente, sem rodeios:
-
Tia, o seu neném tem pé?
A
surpresa de todos, o silêncio incômodo, um misto de riso nervoso com
preocupação, tudo junto reagiu igualmente em todos ali naquele ambiente.
-
Ora, claro que o neném tem pé. Como não ia ter? – respondeu a futura mamãe, com
um sorriso automático.
A
cunhada de Renata, mãe da Simone, acudiu rapidamente puxando a menina:
-
Mas que coisa é essa? De onde você tirou essa ideia, minha filha?
-
Criança tem cada uma – disse o pai.
Passadas
algumas semanas, a primeira ultrassonografia de Renata não teve as célebres perguntas
do tipo está tudo bem, ou tudo normal, ou mesmo já dá pra ver o sexo? Nada
disso. A primeira pergunta da mãe foi:
- Doutor,
o neném tem algum problema nos pés? O senhor pode verificar?
E
foi assim em todos os exames. A menina, por sua vez, sempre que encontrava a
tia, chegava perto da barriga, acariciava e de repente vinha com a mesma
pergunta se o neném tinha pé, fazendo com que as pessoas aumentassem a
preocupação, cada vez mais sugestionadas por aquela frase estranha da menina
Simone.
No
trabalho do marido, no cursinho da mãe, no prédio dos avós, na padaria onde os
tios tomavam café, todos que conheciam a história só se preocupavam em saber se
algum exame havia detectado algum problema no pé do tal neném da dona Renata. O
assunto já era uma compulsão nos lugares comuns de convivência e mesmo com as
negativas dos médicos, com as comprovações dos inúmeros exames, todos achavam
que algo estranho ainda haveria de ser descoberto no bebê, e tudo por causa da
pergunta insistente da sobrinha.
O
fato é que quando o pai avisou do rompimento da bolsa amniótica, e que estavam já no hospital em pleno trabalho de parto, aquelas perguntas sobre o pé da criança eram as mais ouvidas. Cada parente que repassava a notícia do parto próximo tinha de responder antes sobre o pé do bebê, pois todos queriam saber só do pé, antes mesmo do tipo de parto, das dores da mãe, da anestesia ou da dilatação.
O
porteiro do prédio se apressou em justificar pra síndica que tinha
estado fora da portaria por um tempo porque estava justamente ajudando a descer
as coisas da dona Renata e tinha ido levar a mala dela até o carro do marido,
que veio do trabalho, apressado, buscar a mulher.
-
Que Renata? A do 405? A professora?
-
Sim, essa mesma. A do pé do neném – explicou o porteiro, para o pronto
entendimento da síndica.
Uma
amiga da Renata - que foi quem me contou toda a história - disse que na
maternidade a diversão dela era ver como as pessoas tentavam disfarçar quando
chegavam perto do berço e davam um jeito de levantar a manta pra ver os pés da
neném, mesmo que dentro das meias. Algumas chegavam a olhar pros lados e, a
depender de ter ou não gente olhando, pegavam nos dois pés da recém-nascida
como que para comprovar, por si mesmas, que os pés estavam lá, mesmo se isso
significasse atrapalhar o sono quieto e calmo da coitada da neném.
No
fim das contas, todas as vezes que eu contei esta mesma história, ao final
dela, quando eu dava o conto por encerrado, as pessoas faziam uma pausa e
lascavam a fatídica pergunta:
-
Mas enfim, o neném tinha pé ou não? – e começávamos a rir todos juntos.