terça-feira, 16 de junho de 2015

O Casamento da Bel

No final da rua da igreja tinha uma favela. Convidado para tocar violão na peça de teatro que ia ser montada pelo grupo de jovens da paróquia, eu acabei ficando no grupo por cerca de cinco anos. Tocava nas missas e dava aulas de violão lá mesmo em uma das salas da igreja.
Fazia parte do grupo e do teatro a Bel. Iabelônia de nascimento, a Bel morava no final da rua, atravessando a Avenida Brasil. Cantava com a gente nas missas e era uma menina simples, alegre e trabalhadora.
Eu tinha passado recentemente dos vinte anos e, num belo dia, a Bel disse que ia casar. De pronto, me convidou para padrinho e também pediu que eu a levasse à igreja no dia do casamento. Foi uma coisa assim que me pegou de surpresa e eu nem pude argumentar nada, nem sobre ser padrinho, o que muito me envaidecia, como também sobre o fato singelo de que o meu carro não era adequado pra transportar uma noiva para a igreja, visto que se tratava de um Fiat 147 amarelo, de duas portas e não muito novo.
Eu adorava o meu carrinho, que eu chamava carinhosamente de Duca. Valente, companheiro e eu o trazia sempre bem cuidado mas, convenhamos, não era daqueles carrões de noiva. Isso ele não era.
Quando caiu a ficha do convite, do pacote completo padrinho-carro-motorista, eu fiquei bem preocupado e pensei em falar com a Bel sobre outras alternativas, quem sabe o padrinho aqui alugava um outro carro, ou pedia a um amigo que a levasse, enfim.
Mas ela me disse coisas tão simples e tão amigas sobre o fato de querer que fosse eu e o meu carro a lhe buscar em casa que eu nem tive como objetar. Na verdade eu não lembro direito o que ela falou, só sei que foram lindas palavras, lindas de conteúdo mesmo, sobre a nossa amizade, a nossa convivência de anos que eu só lembro de ter ficado emocionado e de lhe ter dado um grande e carinhoso abraço.
Todos os amigos da igreja, claro, ficaram sabendo do casamento e muitos se surpreendiam com o fato de ela querer ir a bordo do Duca. Uns me perguntavam se eu tinha aceito aquilo, se eu ia fazer mesmo, e eu respondia apenas que sim, porque ela me disse que queria que fosse daquele jeito.
O tempo passou depressa e logo chegou o grande dia. De terno, eu estava nervoso, pedindo a Deus para o carro não dar nenhum problema mecânico. Quando desci as escadas de casa e vi novamente o Duca, parecia que ele estava muito contente, assim tão polido, limpinho e perfumado, com as rodas pretinhas e as calotas brilhando. Então, lá fomos nós buscar a noiva.
Quando eu estava entrando na rua, pelo contorno da Avenida Brasil, me dei conta de que jamais tinha ido na casa da Bel. Sabia onde era e tal, mas nunca tinha ido lá. E aí eu percebi a estreiteza das ruas sem calçamento e tive a sensação de que se o Duca fosse um tantinho mais largo talvez nem desse pra abrir a porta. Pude notar também que as curvas eram pequenas e apertadas para um carro maior, o que sem dúvida me deu tranquilidade na direção do meu carrinho.
Na frente da casa da noiva uma multidão de amigos e vizinhos. Todos já vestidos para o casório mas, como a igreja era perto, eles só iriam pra lá depois de ver a Bel sair de casa. Quando parei o carro fui aplaudido por todos e fui muito cumprimentado quando saí para abrir a outra porta. De repente a noiva surge na porta da casa, as pessoas em volta ajudando, segurando o véu e as flores e ela me estendeu a mão para entrar no carro.
Sem o banco do carona, o Duca agora estava espaçoso para o seu vestido e ela me agradeceu por isso, sorrindo, antes de eu fechar a porta.
Ao dar a volta para entrar, novos aplausos ao motorista, ao carro e à noiva. Uma das amigas da Bel então veio ao meu lado e disse baixinho:
- O senhor pode ir bem devagarzinho? É que a gente vai indo atrás pra poder ver quando ela entrar na igreja, tá?
E todos foram andando em volta, enquanto eu dirigia bem devagar. Confesso que eu me segurei pra não chorar quando olhei pelo retrovisor e vi aquelas pessoas andando atrás do carro, ao lado e em volta de nós, como se levassem nos braços, junto comigo aquela noiva linda e feliz.
A lembrança que eu tenho hoje, já meio desbotada, sobre aquele dia, é de ter vivido um exemplo de amizade, aquele imenso carinho, todas aquelas pessoas amigas da Bel. Me toca até hoje a simplicidade daquele momento, a sensação de que qualquer coisa a mais ali seria demais.
Mais do que isso, intuo que a gente se acostuma com tanta coisa supérflua que perde a noção do que é realmente necessário na vida. Pois ali estava eu, levando a minha amiga Bel, com o maior prazer do mundo, oferecendo o que eu tinha de melhor para ela, para aquele seu momento de realização. Ela não se importou com o modelo do meu carro, nada. Só com o que era importante e ponto. E eu estava muito feliz por isso e por ela.
Hoje, nas minhas melhores lembranças, depois de mais de 30 anos sem notícias da Bel, posso imaginar ela mostrando as fotos do seu casamento para os filhos, apontando o Duca e dizendo a eles “este aqui, que dirigiu o carro, é o meu grande amigo Anderson.” Amém!