Muito comum nos bairros do subúrbio, lavar o carro no
final de semana sempre foi um programa lá em casa e, acredito, na casa de muitos
amigos meus, ao menos os que tinham carro. Eu acordava cedo no sábado pra jogar
vôlei e na volta, antes do almoço, era a hora boa de ligar a mangueira na
biquinha, pegar sabão, panos, escovinha e jornais velhos e passar ali uma horinha
gastando água, lavando o carro.
Com o calor forte e contínuo do Rio de Janeiro, não
tinha tempo ruim pra este trabalho. Bastava a sombra da mangueira - a árvore -
da casa vizinha pra deixar o carro no local certo e a gente sempre acabava tomando
banho também pra refrescar.
Naquele sábado o Niel estava brincando e quando me viu
juntando as coisas logo pediu pra lavar o carro junto comigo. Eu sempre achava
que ele podia ficar gripado com aquela água toda, a umidade enfim, e sempre
dava uma desculpa. Só que desta vez eu resolvi correr o risco e topei a ajuda
dele. Na mesma hora ele pegou um monte de brinquedos dizendo que eles também iam
ajudar e levou tudo pra perto do carro. Tinha várias ferramentas de plástico, bonecos
super-heróis, patinho, sapo, espada, uma bola de pingue-pongue, cavalos, uma
aranha que acendia os olhos e um leão.
A gente mais se molhou do que lavou alguma coisa.
Enquanto eu fingia que molhava o carro, jogava água nele e ele fugia, saía
correndo, e depois voltava pra perto de novo. Quando eu ia passar o pano era
ele que pegava a mangueira e me jogava água, colocando o dedinho na ponta pra esguichar
longe até chegar em mim. Eu corria e ele dava risada.
Quando ele pegou uma esponja e disse que queria passar
no carro junto comigo eu combinei que a parte da frente seria a parte dele.
Dei um baldinho com água, esponja e sabão e disse pra ele passar em tudo ali,
principalmente no para-choque, que era preto e estava muito sujo. Ele tinha uma
cadeirinha pequena de plástico e, sentado lá, ficou quietinho lavando toda a
frente do carro, me perguntando de vez em quando se estava ajudando, se estava
bom etc.
O som do carro ficava ligado o tempo todo durante a
lavagem e quando tocava uma música boa eu aumentava o volume e dava-lhe água na
cabeça em meio a risadas de nós dois. Uma hora o avô chegou na porta da garagem
e o Niel foi logo explicando pra ele:
- Estou ajudando o meu pai.
- É mesmo? Então deixa tudo limpinho aí, tá? – respondia
o avô.
E ele esfregava e esfregava aquele pano, aquela
esponja e passava sabão, molhava no seu baldinho e voltava a esfregar. E eu
molhava ele, ele ria, e era uma festa só.
Quando eu dei tudo por terminado e disse que já era
hora de secar o carro ele me chamou na frente pra eu ver o que ele tinha feito
e dizia que tinha ficado tudo branquinho, como o avô pediu. Foi aí que eu olhei
a placa da frente e ela estava simplesmente branca, quer dizer amarela, os
números tinham sumido, assim como as letras. Ele lavou tanto a placa, com o seu
baldinho e a esponja, que o limpinho dele significava tirar toda a tinta preta
dos números. A placa, por fim, ficou toda limpinha, amarelinha, toda por igual!
Claro que nós chamamos a mãe, a vó e o avô pra ver e
todos esconderam o espanto, disfarçando a surpresa com a placa que ia ter de
ser pintada de novo. Mas como eu ia dizer pra ele que estava errado? Como eu
não ia agradecer e elogiar o trabalho que ele fez, “limpando” a placa?
Até hoje eu lembro daquele abraço com o qual eu
agradeci a ele por sua ajuda. Fomos tomar banho no banheiro juntos, pra botar
roupas secas, e depois almoçamos juntos só nós dois porque já era tarde. Na mesa,
entre uma garfada e outra o Niel me disse:
- Pai, depois de hoje, quando você for lavar o carro,
pode deixar que eu vou te ajudar de novo, tá?
- Mas é claro. Semana que vem a gente lava ele de
novo. Nós dois!