terça-feira, 14 de julho de 2015

A Lavagem


Muito comum nos bairros do subúrbio, lavar o carro no final de semana sempre foi um programa lá em casa e, acredito, na casa de muitos amigos meus, ao menos os que tinham carro. Eu acordava cedo no sábado pra jogar vôlei e na volta, antes do almoço, era a hora boa de ligar a mangueira na biquinha, pegar sabão, panos, escovinha e jornais velhos e passar ali uma horinha gastando água, lavando o carro.
Com o calor forte e contínuo do Rio de Janeiro, não tinha tempo ruim pra este trabalho. Bastava a sombra da mangueira - a árvore - da casa vizinha pra deixar o carro no local certo e a gente sempre acabava tomando banho também pra refrescar.
Naquele sábado o Niel estava brincando e quando me viu juntando as coisas logo pediu pra lavar o carro junto comigo. Eu sempre achava que ele podia ficar gripado com aquela água toda, a umidade enfim, e sempre dava uma desculpa. Só que desta vez eu resolvi correr o risco e topei a ajuda dele. Na mesma hora ele pegou um monte de brinquedos dizendo que eles também iam ajudar e levou tudo pra perto do carro. Tinha várias ferramentas de plástico, bonecos super-heróis, patinho, sapo, espada, uma bola de pingue-pongue, cavalos, uma aranha que acendia os olhos e um leão.
A gente mais se molhou do que lavou alguma coisa. Enquanto eu fingia que molhava o carro, jogava água nele e ele fugia, saía correndo, e depois voltava pra perto de novo. Quando eu ia passar o pano era ele que pegava a mangueira e me jogava água, colocando o dedinho na ponta pra esguichar longe até chegar em mim. Eu corria e ele dava risada.
Quando ele pegou uma esponja e disse que queria passar no carro junto comigo eu combinei que a parte da frente seria a parte dele. Dei um baldinho com água, esponja e sabão e disse pra ele passar em tudo ali, principalmente no para-choque, que era preto e estava muito sujo. Ele tinha uma cadeirinha pequena de plástico e, sentado lá, ficou quietinho lavando toda a frente do carro, me perguntando de vez em quando se estava ajudando, se estava bom etc.
O som do carro ficava ligado o tempo todo durante a lavagem e quando tocava uma música boa eu aumentava o volume e dava-lhe água na cabeça em meio a risadas de nós dois. Uma hora o avô chegou na porta da garagem e o Niel foi logo explicando pra ele:
- Estou ajudando o meu pai.
- É mesmo? Então deixa tudo limpinho aí, tá? – respondia o avô.
E ele esfregava e esfregava aquele pano, aquela esponja e passava sabão, molhava no seu baldinho e voltava a esfregar. E eu molhava ele, ele ria, e era uma festa só.
Quando eu dei tudo por terminado e disse que já era hora de secar o carro ele me chamou na frente pra eu ver o que ele tinha feito e dizia que tinha ficado tudo branquinho, como o avô pediu. Foi aí que eu olhei a placa da frente e ela estava simplesmente branca, quer dizer amarela, os números tinham sumido, assim como as letras. Ele lavou tanto a placa, com o seu baldinho e a esponja, que o limpinho dele significava tirar toda a tinta preta dos números. A placa, por fim, ficou toda limpinha, amarelinha, toda por igual!
Claro que nós chamamos a mãe, a vó e o avô pra ver e todos esconderam o espanto, disfarçando a surpresa com a placa que ia ter de ser pintada de novo. Mas como eu ia dizer pra ele que estava errado? Como eu não ia agradecer e elogiar o trabalho que ele fez, “limpando” a placa?
Até hoje eu lembro daquele abraço com o qual eu agradeci a ele por sua ajuda. Fomos tomar banho no banheiro juntos, pra botar roupas secas, e depois almoçamos juntos só nós dois porque já era tarde. Na mesa, entre uma garfada e outra o Niel me disse:
- Pai, depois de hoje, quando você for lavar o carro, pode deixar que eu vou te ajudar de novo, tá?
- Mas é claro. Semana que vem a gente lava ele de novo. Nós dois!