segunda-feira, 27 de julho de 2015

O Suco


A lanchonete ficava na Rua México, perto do meu trabalho, no Centro do Rio de Janeiro, e era especializada em sucos e em montagem de sanduíches. Era assim: a pessoa escolhia o recheio, as pastas, os frios, a salada e o tipo de pão e pronto, estava lá o sanduba do jeitinho que o cliente queria.
O suco também era servido do mesmo jeito. A gente escolhia as frutas, misturava até três delas da maneira que quisesse e indicava o açúcar - mascavo, comum ou adoçante - e também se era batido como yogurte etc. A loja era uma beleza e tinha sempre fila nos horários da tarde.
Preciso relatar aqui que, prudentemente, para o bem dos caros leitores, vou omitir as combinações que eu mais gostava, tanto no que diz respeito à bebida como aos sanduíches, nos quais, saborosamente poderiam ser incluídos componentes doces como passas e outros menos, digamos, ortodoxos.
Então, uma vez eu estava na lanchonete e chegou uma senhora, bem velhinha mesmo. Ela ficou um tempão olhando o cardápio que era pintado na parede, aplicado como um tipo de adesivo. Pela quantidade de opções devo dizer que aquele menu era mesmo enorme e que era difícil pra qualquer um olhar e escolher.
Ali olhando, a velhinha pareceu se esquecer do mundo. Os atendentes do balcão já riam e cochichavam entre si, indicando que era pro Cosminho atender, pois era o “departamento dele”. Eu logo percebi o tal Cosminho. Era um negro pra lá de simpático, daqueles de riso fácil e palavra idem, dentes lindos, amigo de todos e conhecia o gosto das pessoas só pelo olhar delas. Pelo jeito dos colegas, parece que ele tinha ainda uma outra facilidade que era o tratamento com os velhinhos. Então eu passei a perceber melhor o trabalho daquele atendente.
Quando ele perguntou a senhora se ela já tinha escolhido ou se precisava de ajuda, ela pareceu se animar:
- Já escolhi, sim! Vou querer um suco de banana.
- Com água, leite ou laranja, senhora? – perguntou Cosminho.
- Não, não, não moço! Eu quero puro. Não quero misturado com nada não. Quero mesmo só banana no meu suco.
Como se soasse um grande sino dentro da loja, todos pararam pra acompanhar aquele embate que prometia. Rapidamente o Cosminho se chegou perto da senhora e foi explicando que a banana, ao contrário de outras frutas, não tinha uma quantidade de água capaz de ser moída e virar suco, e que por isso era preciso juntar “algo líquido”, como ele disse, pra que pudesse ser bebido.
A velhinha titubeou. Pensou um pouco, olhou de novo pro cartaz dos sucos e nada. Se fosse na Inglaterra aposto que já teria clientes apostando em um ou outro pra ver quem venceria aquela batalha que se anunciava longa.
Então, com a simplicidade que só a generosidade humana é capaz, o atendente surgiu no balcão com um prato e uma banana descascada. Pegou um garfo e passou a amassar a banana, como que mostrando para a cliente que não poderia ser bebido daquela forma e na conversa iniciada ressaltou que muitas pessoas escolhiam tomar com leite, ele próprio preferia assim, pois o leite potencializava o sabor da banana e ele era capaz de garantir a ela que o suco ficaria muito bom, que ela não iria se arrepender.
- Então com leite, mocinho!
Estava terminado.
Já no primeiro gole a senhora levantou o copo em direção ao Cosminho e todos nós em volta ficamos aliviados com o gesto.
Quando ela saiu e, diante dos gracejos dos colegas, o atendente deu a sua explicação:
- É engraçado. A gente pode explicar as coisas para as crianças, mas não pode explicar pros idosos. Aí eles ficam assim, desconfiados de tudo e de todos, claro. Não tinha nada de errado com ela. Ela só não tinha percebido, não sabia que o suco de banana era feito assim. Depois que eu expliquei ela entendeu e pronto. Na verdade se as pessoas se dispusessem a perder um minutinho do seu tempo com quem precisa desse minutinho, daria tudo certo.
- Grande Cosminho! – arrematou um cliente com um sanduba na mão.
- Isso mesmo. Falou bonito – disse outro.
Chega uma hora em que todos nós, velhos ou novos, ficamos evidente e efetivamente idosos. Nas minhas projeções sobre isso eu já decidi que quando chegar a minha vez eu vou ao Rio visitar uma certa lanchonete da Rua México. E estando lá eu já sei exatamente o suco que eu vou pedir.
Pode apostar.