Nem sempre as mães que trabalham fora têm um esquema
infalível de cuidados com o filho pequeno. A minha amiga Angélica, que
trabalhava na mesma empresa que eu, tinha uma auxiliar muito competente, misto
de faxineira e cozinheira, a dona Rosa, que cuidava do menino Carlos e era
sempre ela que levava o Cacá pro colégio.
Um dia, como era de praxe, o telefone tocou e a
Angélica atendeu já esperando apenas o mesmo “tudo Ok” de sempre, que era o indicativo
de que tudo estava normal e que o Cacá tinha ficado no colégio certinho, sem
qualquer problema.
Só que naquele dia dona Rosa disse:
- O Cacá falou que não pode ir à escola, pois não está
se sentindo bem. Disse que está com a doença da curva e está muito estranho,
dona Angélica.
A mãe, imediatamente ficou nervosa e anunciou que estava
indo pra casa. Nós, seus colegas, que ouvimos a conversa, quando ela repetiu a
tal doença da curva, ficamos um tanto apreensivos. Ela mesma falou em algo como
labirintite, que podia ser uma tonteira ou até coisas mais graves, neurológicas,
que dão em crianças etc.
Demos todo o apoio pra que ela fosse até a sua casa e
dissemos que ficasse tranquila, pois a gente segurava o serviço e tal. Para não
preocupá-la ainda mais, só depois que ela saiu é que a gente passou a analisar
a possibilidade de ser mesmo algo grave, que poderia ser até meningite, que é uma
doença que vai e vem em surtos assustadores e periódicos no Brasil.
Todo mundo no escritório, quando soube do ocorrido,
ficou preocupado, naturalmente, e de vez em quando um novo colega entrava no
gabinete perguntando se já tínhamos alguma notícia do Cacá. Essas perguntas,
insistentes, só aumentavam a nossa aflição e como naquele tempo não havia celular,
a cada ligação que um atendia todos os demais ficavam em volta pra saber se era
a Angélica.
Dali a umas duas horas entrou a Angélica esbaforida
pela porta do escritório. Sem fôlego e com as mãos espalmadas pedindo que
esperássemos, ela explicou:
- Aquele guri ainda me mata! Aonde já se viu? Era só
um torcicolo que ele tinha, aquele safado. Aí, de pescoço duro, disse pra
coitada da Rosa que estava com a tal doença da curva.
- Mas de onde ele tirou esse nome? Que raio de doença
da curva é essa? – perguntamos todos quase juntos.
- Ele é um sacana. Como o caminho da escola é só
seguir a rua e virar no final do quarteirão, ele disse que não poderia ir à
escola porque não ia conseguir fazer aquela curva. Daí ele chamar de doença da
curva, a doença que a pessoa não consegue fazer a curva. E eu aqui achando que
era labirintite! Esse menino é muito liso. Eu pego ele.
A partir daí a gente só queria mesmo era se divertir
com a história. Depois de todo aquele susto era hora de saber mais dos detalhes
pra poder rir da coitada da Angélica.
- E como ele estava quando você chegou em casa? –
instigamos.
- Vendo televisão! Disse que desenho ele podia ver porque
não precisava virar o pescoço, mas ir à escola, não. Enfim, quando eu percebi
que era malandragem dele dei uns três ou quatro gritos, uns dois tapas e
pegamos a mochila pra ir pra escola na hora. Antes de sairmos passei uma pomada
nele, um anestésico muscular, desses comuns, e pronto.
- E ele?
- Ah, comigo ele fez a curva direitinho! Quando
chegamos no portão da escola ainda me perguntou se eu tinha botado o short azul
e a camisa do Brasil na mochila. Eu disse que sim e ele, meio rindo, falou que
era porque ia ter jogo de futebol no final da aula. Safado esse moleque! Ainda
me mata de susto!
A gente passou aquele dia todo, e os outros também,
contando a história do Cacá 171 e a sua doença da curva que deixou a mãe doida.
O fato fez história na empresa. Quando alguém do escritório queria dar alguma
desculpa pra recusar algum trabalho chato, dizia logo que estava com a doença
da curva. E todos caíam na risada.