Por falar em carrinho do parque, minhas
lembranças também remetem à infância e nelas também estão o meu irmão. Só que,
no meu caso, ele é mais novo do que eu e isso fazia toda a diferença, ao menos
pra minha mãe.
No parque em que a gente ia tinha uns carrinhos
de verdade, que andavam numa pista de verdade, e tinham volantes de verdade: dois. Eram todos coloridos, conversíveis, tinham quatro lugares, com as rodinhas
pretinhas de borracha e até tinham calotas. Eles paravam no lugar certo pras
crianças embarcarem e tinham dois volantes.
Normalmente os meninos maiores iam no banco da
frente, cada qual no seu volante, e os pequenos atrás, com a recomendação para que não ficassem
de pé de forma alguma, pois a pista começava ao rés do chão mas, em alguns
pontos, subia uma rampa e dava uma grande volta por cima do próprio parque,
passando por cima das pessoas. Os pais acenavam lá de baixo; era uma coisa
linda e preocupante.
Preocupante porque uma vez o meu irmão, que já
estava grandinho, resolveu que queria ir dirigindo no meu volante, que era o da
esquerda. E eu dizia que não, porque era minha responsabilidade dirigir no
volante certo, que ficava do lado certo, como em todos os carros, do lado
esquerdo. A pista era sinuosa, estreita e ele, como não sabia dirigir como eu,
poderia pôr tudo em risco, sendo que o carro podia despencar lá de cima, nos
machucar e até atingir as pessoas. Eu estava muito preocupado e ele teimava em
querer o meu volante.
Até que minha mãe me puxou de lado, sem que meu
irmão ouvisse, e me disse.
- Fica naquele volante de lá, pois é aquele que
dirige. O outro é só de mentirinha.
Eu então olhei pro carro de novo e notei que aquele
outro volante parecia mesmo de brinquedo e, por fim, aceitei deixar que meu
irmão o dirigisse. Assumi o outro volante, o de verdade, e fiz o que sempre
fazia, dirigi com toda a atenção do mundo, cuidando nas curvas pra tangenciar
certinho, alinhando o carro com a pista que era bem estreita, subindo as
ladeiras com cuidado, “na ponta dos dedos”, como diria um certo narrador.
Me lembro que meu irmão, quando passou na parte
alta, largou o volante e deu tchauzinho pra meus pais lá embaixo e aquilo
ajudou a confirmar que aquele volante era mesmo só de brincadeira. Eu, por
minha vez, mal tirava o olho da pista e jamais passou pela minha cabeça largar
o volante para dar tchauzinho: aquilo era coisa de criança que não tem a
responsabilidade de dirigir, ainda mais conduzindo o seu irmão mais novo, veja
só!
Eu não sei quando, nem de que forma eu um dia descobri
que os dois volantes daqueles carrinhos eram de brinquedo. Mas sei que o meu
desapontamento foi tão grande que eu mal consegui culpar a minha mãe por ter
“mentido” pra mim ao dizer que um dos volantes era de verdade: o meu.
A imagem que eu ainda guardo é que, na próxima
vez que voltamos ao parque eu já não quis andar no tal carrinho. Fiquei lá de
baixo, emburrado, olhando o trilho por onde ele corria, as curvas certinhas que
ele fazia, o ferro entre os eixos que fazia as rodinhas virarem. Tudo isso eu
passei a notar e ainda fiquei mais amuado ao perceber que as outras crianças
pareciam patetas gostando daquela baboseira.
Na minha cabeça aquilo foi um divisor de águas.
Daquele dia em diante tudo o que meus pais me diziam eu desconfiava e avaliava atentamente pra medir se não era de novo algo como aqueles volantes; algo pra eu
aceitar a palavra deles e que depois eu mesmo descobriria a verdade. Eu punha
tudo então numa balança e analisava palavra por palavra. Devo ter sido um tanto
quanto chato como criança, se eles notaram aquelas minhas suspeitas.
Hoje eu me pego tentando lembrar se cheguei a
agir da mesma forma com meus filhos, quando eles eram pequenos. Acho que sim.
No fundo acho que eu teria feito o mesmo que minha mãe. O mundo dá essas voltas
maravilhosas e a gente vai tentando entender as coisas, se manter na pista, fazendo o que é melhor
pros nossos filhos e, se for preciso, dirigindo os carrinhos junto com eles mesmo com volantes de mentirinha. Mas com todo o amor que temos.
Agradeço a meus pais por terem me deixado ser
criança até quando eu quis ser.