Desde adolescente, Ramón sempre ouvia do primo
que o melhor era ir para os Estados Unidos. Todos os amigos acabaram indo, um a
um, até que surgiu uma possibilidade real e ele se viu fortemente atraído.
Aquele era o sonho de todo mundo, pensava ele,
pois as conversas na escola, no bar da esquina e nas reuniões com os amigos sempre
falavam dos planos de prosperidade naquele país. Trabalhar lá, juntar um bom
dinheiro e retornar à terra natal com alguma tranquilidade e, quem sabe, começar
um novo e rentável negócio.
Seus pais, por sua vez, achavam tudo aquilo uma grande
loucura. Ali eles tinham tudo de que precisavam e o governo supria toda a comunidade,
oferecendo o melhor em educação, esportes e saúde, um exemplo para muitas
nações do mundo. Só que Ramón ouvia aquilo dos pais e acreditava que tudo não
passava de opinião acomodada, que talvez pela idade eles já estivessem
acostumados com “aquilo” e já não tivessem mais um mínimo de ambição na vida.
No dia e hora marcados ele estava lá, ansioso. O
dia amanhecia e todos foram levados a bordo, para aquele arremedo de embarcação.
O primeiro adversário a ser vencido é o medo, disse o primo. E Ramón partiu
rumo ao paraíso, atravessando um mar claro e que foi até fraterno com aquele estranho
barco repleto de esperanças.
Quando chegaram em terra firme um outro sujeito,
também da equipe responsável pelo empreendimento, esperava com um caminhão e
assim eles passaram o pior pedaço que era próximo da praia, pois era uma região
muito vigiada. Ele teve a sensação de que alguns guardas das vigias até os
viram, mas estranhamente nada fizeram.
Os dias foram ficando mais difíceis depois
daquele desembarque. As condições de vida cada vez mais precárias e Ramón sentiu
na pele o que seria o pagamento por aquele esforço de mudança de vida. Na
primeira semana ele teve de ficar por mais de 24 horas dentro de um barril de
óleo a esperar por alguém que viria lhe buscar, depois de já ter levado alguns
dos seus amigos. Completamente extenuado depois de todas essas horas ele mal
conseguiu se erguer do barril pra ir com o homem.
Os meses foram passando, as dificuldades se
alternando e as perspectivas eram de muito sofrimento. Lavou muito chão de
muito banheiro e de muita cozinha. Passou fome muitas vezes, frios
intermináveis e a vida nômade era agravada pela cotidiana falta de roupas, de cama
e de higiene. Tudo isso começou a minar a sua confiança, até que um dia ele
pensou em voltar.
Alquebrado e sem ânimo, as imagens de casa lhe vinham
à cabeça já com certa frequência. Aquela rua pacata naquele bairro simples, seu
pai saindo pra pescar perto de casa, a mãe estendendo as roupas, os amigos que
vinham tocar violão e tomar cravinho juntos. Eram alegrias tristonhas que Ramón
já não tinha certeza de que veria algum dia, passados quase cinco anos desde a
sua chegada.
Muito trabalho e muito dinheiro foram consumidos
pra conseguir um esquema, também clandestino, pra o levar de volta. Mas nada
mais importava. Sua decisão era de que jamais seria fugitivo; jamais passaria
fome ou frio pra conseguir permanecer em uma terra que atraía a todos pela
oportunidade, mas que, na realidade, era uma espécie de tráfico de escravos
moderno, sustentado por uma imposição desumana de trabalho e condições
subumanas de vida.
Passou por muitos países, muitas fronteiras, até
que conseguiu um navio cargueiro, de bandeira desconhecida, na direção de casa.
Aliviado, tentava se alegrar a cada milha vencida até que chegou ao porto.
Desceu e na mesma hora percebeu que tudo estava diferente. As pessoas com
fisionomia triste andavam sem rumo, alguns grupos nas esquinas conversavam e
balançavam a cabeça com desânimo.
Perto de um desses grupos notou que eles se
reuniam ao redor de uma banca de jornal, com as manchetes expostas. Passou pelas
pessoas e se deparou com uma grande fotografia na capa de um dos jornais. Reconheceu
o homem da foto e seus joelhos fraquejaram automaticamente. Sentou no meio-fio
com desalento, olhou o movimento em volta, se virou pra olhar o mar de novo e
um choro triste e silencioso surgiu baixando-lhe a cabeça entre os joelhos. Naquele
momento Ramón sentiu que tudo o que ele queria era o abraço da sua mãe. E antes
de levantar, apenas murmurou:
- Adeus, comandante! Meu comandante eterno!