terça-feira, 1 de novembro de 2016

O Caminho Pra Casa


Desde pequeno, uma coisa que muito me impressionava era o quanto o meu pai parava na rua pra falar com as pessoas. Às vezes, eu saia com ele pelas ruas de Ramos pra ir a algum lugar, padaria ou feira, e ele ia parando a cada 20 metros pra falar com os vizinhos, os conhecidos ou amigos. Algumas vezes eram só cumprimentos daqueles que sempre acabam com alguma pergunta do tipo “quando você aparece lá em casa?”, enquanto outros eram verdadeiras saudações que demoravam um bom tempo, e onde se contavam casos, falava-se de futebol e das últimas notícias. Enfim, eu ficava só olhando e pensando em quanta gente o meu pai conhecia.
Uma vez a gente estava indo à feira de sábado e um senhor parou um tempão com ele. Falou um bocado e sobre um monte de gente, nomes os mais diversos e até tomou caldo de cana com a gente na entrada da feira. Aí quando o amigo foi embora ele simplesmente me disse que conhecia o sujeito mas não lembrava de onde e que a maioria daquelas pessoas que ele falou meu pai não conhecia. E eu perguntei como é que ele falava um tempão com alguém que nem lembrava quem era. E ele respondeu simplesmente que o cara sabia quem ele era e isso bastava, depois ele ia tentar lembrar quem era o tal sujeito e tudo ia ficar bem.
Era sempre assim. Na companhia do meu pai o caminho de volta pra casa era inevitavelmente algo improvável e mais improvável ainda era o tempo que ia levar essa volta. Mas no fundo eu achava aquilo o máximo. Era tanta gente que gostava dele, que considerava ele e que se alegrava em vê-lo passando na rua e se dispunha a ir cumprimentar, conversar. Aquilo fazia com que eu gostasse ainda mais do meu pai e o admirasse pela atenção que ele dispensava às pessoas, uma qualidade inclusive quase sempre reciprocamente ofertada.
Outro dia, a minha irmã esteve me visitando aqui em Florianópolis. Eu saí com ela pelo Centro, fomos ao Mercado Público, à peixaria, percorremos as ruas de intenso comércio e num certo momento ela me disse que tinha lembrado do nosso pai:
- Caramba, você conhece todo mundo. Fala com todo mundo na rua. Parece até o meu pai.
E foi aí que eu me dei conta de que durante o nosso passeio eu tinha passado pelo galego que vende relógios, pelo segurança do artesanato, por um professor conhecido das reuniões do sindicato e que quando a gente foi almoçar, lá no Chico, em Santo Antônio, o gerente do restaurante me reconheceu, foi lá perto da nossa mesa e a gente ficou conversando um monte antes do almoço.
Fez total sentido pra mim a minha irmã ter lembrado do meu pai e me dizer que eu tinha causado isso. Eu é que não tinha me dado conta. Ainda. Claro que a proporção é outra, mas em certo sentido o que era característica do meu pai estava se repetindo comigo. Me surpreendeu quando essa ficha caiu.
Então, hoje, voltando do trabalho eu passei por uma amiga arqueóloga e seu marido, que tem uma turma que joga um futebol bem bacana na universidade. Nos cruzamos na esquina e paramos pra conversar um pouco, aguçando a minha intenção de voltar a jogar com eles o mais breve possível. Depois dali, atravessando a praça, vi um amigo advogado do outro lado da rua que acenava pra mim dizendo “bom feriado”. Eu disse o mesmo pra ele e seguimos com um sorriso no rosto. No final da praça passou por mim um senhor que me chamou pelo nome e me perguntou como estava o “nosso” museu, ao que eu respondi com o conhecido, apressado e automático “tá tudo bem”. Na verdade eu lembro da fisionomia dele claramente mas não sei bem de onde. Pelo jeito que ele se referiu ao museu, suponho que deve ser alguém que frequentava o extinto projeto de cinema que eu coordenava lá.
Foi o tempo de chegar em casa, ainda há pouco, e toda essa história veio à tona pra que eu sentasse no computador e escrevesse. Simples assim.
E se eu tinha alguma admiração pelo meu pai desde aquela época, ao final desta crônica fiquei imaginando ele por aqui por Floripa, andando do meu lado, vendo eu falar com as pessoas. Quem sabe acabasse por me admirar por isso, como eu a ele, ou mesmo se tornasse um velho amigo de todos os meus amigos, com a facilidade típica e incondicional que tinha para as amizades irrestritas. Enfim.
Imaginar isso tudo me dá muita saudade dele. Uma saudade pra lá de boa, como era voltar pra casa com o meu pai.