sexta-feira, 7 de abril de 2017

A Faixa de Pedestre



Paulistano, mas com o detalhe de ter nascido na cidade de Santos, Pedro é daqueles sujeitos que se regozijam diariamente, desde que chegou de mudança a Florianópolis, com a educação dos motoristas diante da faixa de pedestres. Este sentimento, me lembro bem, é idêntico ao que eu próprio tive quando vim morar aqui, nos anos longínquos de 2001.
Acostumado a ver as pessoas serem atropeladas, literalmente, em plena faixa, inclusive tendo um enorme semáforo acima das suas cabeças, o Rio de Janeiro é o tipo de selva que não considera multa, vida, nada, tendo o motorista como o dono supremo de tudo que acontece nas ruas e avenidas, esteja ele atrás de um volante ou de um guidom de moto.
Em Floripa, quando estamos na beira de uma calçada, diante da tal faixa mágica listrada de branco, nos sentimos como em uma cidade qualquer do mundo civilizado, organizada, desenvolvida, educada, das mais icônicas ou cosmopolitas dos centros europeus. E quando estamos assistindo a uma gentileza dessas, de um motorista parar e aguardar que outro cidadão cruze a rua, o bem-estar que isso parece causar em todos à volta é nítido. Pedestres e motoristas se entreolham e partilham aquele momento como um direito que, pelo viés poético, se diria transbordando de altivez e cidadania.
Imagino que Santos ou São Paulo, neste sentido, estejam naquele outro patamar de incivilidade mencionado anteriormente: o carioca. Daí porque o Pedro se alegra com este mesmo sentimento meu.
Uma tarde qualquer deste início de ano, estava o nosso rapaz caminhando na intenção de cruzar uma determinada esquina. O trânsito era pesado naquela rua e Pedro procurava uma vaga entre os carros. Vendo que mais adiante havia uma faixa foi andando até lá, resignado consigo mesmo, pois que atravessar na faixa era o certo a fazer. Assim que chegou olhou na direção do fluxo dos veículos, fez menção de se lançar, mas foi surpreendido pelo carro que vinha subindo, que inclusive pareceu acelerar ainda mais, impedindo a sua travessia.
Sem pensar, Pedro deu um grito de protesto em direção ao motorista:
 Ô, sem educação. Não está vendo a faixa, não?
Nisso, o carro parou bruscamente. Mal acabara de passar a faixa e parou. O motorista abriu a porta com pressa e veio na direção do nosso transeunte que, neste momento, já estava por certo imaginando que levaria um tiro no peito, uma facada nas costas, quem sabe uma espadada no meio do ventre a deixar todos os seus órgãos, vitais e não vitais, ali expostos a céu aberto. O instante era curtíssimo, mas deu tempo do Pedro imaginar a sua própria morte, a violência que viria, ou talvez uma descompostura pública de um convite ao engalfinhamento solene, ali mesmo na rua, quem sabe até uma promessa de impropérios que seria findado com um golpe fatal, característico de alguma luta marcial nipônica.
Enfim, atônito, ali parado, Pedro custou a entender o que estava ouvindo:
 Puxa vida, meu caro, me desculpe. De verdade, eu não vi você atravessando. Não te vi na calçada. Me perdoe, tá? Você está bem? Aconteceu alguma coisa? Está machucado? Que falha a minha. Mil desculpas tá? Não te vi mesmo.
Depois de todas as desculpas possíveis e impossíveis, o motorista entrou de novo no seu carro bacana e saiu devagarzinho. Enquanto isso o nosso amigo repetia baixinho consigo mesmo as palavras recém-ouvidas e nem se deu conta de que o trânsito estava parado e que os primeiros motoristas da fila aguardavam justamente, e pacientemente, a sua travessia afinal.
Sem jeito, as pernas ainda bambas, Pedro olhou em volta e deu um sorrisinho sem graça, iniciando o seu caminho até a calçada oposta. Caminho este que o fez parar logo a seguir, no final da praça, e se perguntar:
 E agora, será que eu já almocei ou eu estava justamente indo pro almoço?