Paulistano, mas com o detalhe de ter nascido na
cidade de Santos, Pedro é daqueles sujeitos que se regozijam diariamente, desde
que chegou de mudança a Florianópolis, com a educação dos motoristas diante da
faixa de pedestres. Este sentimento, me lembro bem, é idêntico ao que eu
próprio tive quando vim morar aqui, nos anos longínquos de 2001.
Acostumado a ver as pessoas serem atropeladas,
literalmente, em plena faixa, inclusive tendo um enorme semáforo acima das suas
cabeças, o Rio de Janeiro é o tipo de selva que não considera multa, vida,
nada, tendo o motorista como o dono supremo de tudo que acontece nas ruas e
avenidas, esteja ele atrás de um volante ou de um guidom de moto.
Em Floripa, quando estamos na beira de uma
calçada, diante da tal faixa mágica listrada de branco, nos sentimos como em
uma cidade qualquer do mundo civilizado, organizada, desenvolvida, educada, das
mais icônicas ou cosmopolitas dos centros europeus. E quando estamos assistindo
a uma gentileza dessas, de um motorista parar e aguardar que outro cidadão
cruze a rua, o bem-estar que isso parece causar em todos à volta é nítido.
Pedestres e motoristas se entreolham e partilham aquele momento como um direito
que, pelo viés poético, se diria transbordando de altivez e cidadania.
Imagino que Santos ou São Paulo, neste sentido,
estejam naquele outro patamar de incivilidade mencionado anteriormente: o
carioca. Daí porque o Pedro se alegra com este mesmo sentimento meu.
Uma tarde qualquer deste início de ano, estava o
nosso rapaz caminhando na intenção de cruzar uma determinada esquina. O
trânsito era pesado naquela rua e Pedro procurava uma vaga entre os carros.
Vendo que mais adiante havia uma faixa foi andando até lá, resignado consigo
mesmo, pois que atravessar na faixa era o certo a fazer. Assim que chegou olhou
na direção do fluxo dos veículos, fez menção de se lançar, mas foi surpreendido
pelo carro que vinha subindo, que inclusive pareceu acelerar ainda mais,
impedindo a sua travessia.
Sem pensar, Pedro deu um grito de protesto em
direção ao motorista:
– Ô, sem educação. Não está vendo a faixa, não?
Nisso, o carro parou bruscamente. Mal acabara de
passar a faixa e parou. O motorista abriu a porta com pressa e veio na direção
do nosso transeunte que, neste momento, já estava por certo imaginando que
levaria um tiro no peito, uma facada nas costas, quem sabe uma espadada no
meio do ventre a deixar todos os seus órgãos, vitais e não vitais, ali expostos
a céu aberto. O instante era curtíssimo, mas deu tempo do Pedro imaginar a sua
própria morte, a violência que viria, ou talvez uma descompostura pública de um
convite ao engalfinhamento solene, ali mesmo na rua, quem sabe até uma promessa
de impropérios que seria findado com um golpe fatal, característico de alguma
luta marcial nipônica.
Enfim, atônito, ali parado, Pedro custou a
entender o que estava ouvindo:
– Puxa vida, meu caro, me desculpe. De verdade,
eu não vi você atravessando. Não te vi na calçada. Me perdoe, tá? Você está
bem? Aconteceu alguma coisa? Está machucado? Que falha a minha. Mil desculpas
tá? Não te vi mesmo.
Depois de todas as desculpas possíveis e
impossíveis, o motorista entrou de novo no seu carro bacana e saiu
devagarzinho. Enquanto isso o nosso amigo repetia baixinho consigo mesmo as
palavras recém-ouvidas e nem se deu conta de que o trânsito estava parado e que
os primeiros motoristas da fila aguardavam justamente, e pacientemente, a sua
travessia afinal.
Sem jeito, as pernas ainda bambas, Pedro olhou
em volta e deu um sorrisinho sem graça, iniciando o seu caminho até a calçada
oposta. Caminho este que o fez parar logo a seguir, no final da praça, e se
perguntar:
– E agora, será que eu já almocei ou eu estava
justamente indo pro almoço?